Crônica | Parêntese

José Falero: Entre as tripas e a razão

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José Falero: Entre as tripas e a razão Preta,Tu lembra da entrevista do Mujica pro Bial? Acho que foi tu que me falou dela, não? E, inclusive, agora me ocorre que boa parte das coisas interessantes que eu conheço, se não todas elas, foi tu quem trouxe pra minha vida. O Mujica disse algo como: “às vezes a gente toma uma decisão com as tripas, e depois usa a razão para justificá-la”. Quando eu vi ele dizendo isso, percebi na hora que essa ideia descreve muito bem o que penso a respeito dos pais e das mães que espancam seus filhos. Esses pais e mães têm um discurso pronto: “se eu não bater, a criança vai crescer achando que pode tudo”. Bom, é claro que esse argumento nunca me convenceu. Mas, à luz do que disse o Mujica, me parece muito claro o que acontece. Porque, vem cá, tu já viu a cara dos pais e das mães, quando estão espancando seus filhos? Existe apenas raiva na cara deles. Sempre estão descontrolados, fora de si, quando fazem isso. E eu não consigo imaginar que, nesse estado de espírito de besta, eles estejam realmente fazendo uso da razão e pensando: “se eu não bater, a criança vai crescer achando que pode tudo”. Duvido! Batem só de raiva. A criança aprontou alguma — afinal, é o que as crianças fazem, não? —, e esses pais e essas mães, sem o menor preparo para serem pais e mães, perdem o controle e partem para a agressão. Me parece pura incapacidade de refrear os instintos. É uma decisão tomada com as tripas. Então, mais tarde, quando alguém reprova o espancamento, só aí é que os pais e mães, já de cabeça fria, usam a razão pra tentar justificar o que fizeram. Enfim. Eu penso muito na necessidade de me policiar, pra tentar evitar atitudes imbecis. E isso que o Mujica disse pro Bial me deixou em estado de alerta, sabe. Eu fiquei pensando: será que eu também tomo certas decisões com as tripas, pra depois tentar justificar com a razão? Provavelmente, sim. Tô te escrevendo isto pra tentar justificar o bendito celular quebrado em mil pedaços. Mas, mal comecei a escrever, e uma sirene de alerta soou dentro da minha cabeça: será que, neste exato momento, tô usando a razão pra tentar justificar uma decisão tomada com as tripas? Bom, eu não sei. Realmente não sei. De qualquer forma, aqui vai a justificativa que eu elaborei, e que é absolutamente sincera (eu sinto mesmo as coisas como vou explicar agora, mas reconheço a possibilidade de todo esse meu discurso ser só uma manobra inconsciente pra não admitir que, na verdade, apenas fui estúpido). Sabe, as condições de funcionamento daquele celular estavam estragando os meus dias. Meus dias vinham sendo todos mais ou menos parecidos: eu acordava bem, disposto, agradecido por mais um dia de existência. Mas tudo isso já começava a mudar quando eu pegava o celular pra dar uma olhada no Facebook. Depois de checar as notificações, eu começava a rolar […]

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Preta,Tu lembra da entrevista do Mujica pro Bial? Acho que foi tu que me falou dela, não? E, inclusive, agora me ocorre que boa parte das coisas interessantes que eu conheço, se não todas elas, foi tu quem trouxe pra minha vida. O Mujica disse algo como: “às vezes a gente toma uma decisão com as tripas, e depois usa a razão para justificá-la”. Quando eu vi ele dizendo isso, percebi na hora que essa ideia descreve muito bem o que penso a respeito dos pais e das mães que espancam seus filhos. Esses pais e mães têm um discurso pronto: “se eu não bater, a criança vai crescer achando que pode tudo”. Bom, é claro que esse argumento nunca me convenceu. Mas, à luz do que disse o Mujica, me parece muito claro o que acontece. Porque, vem cá, tu já viu a cara dos pais e das mães, quando estão espancando seus filhos? Existe apenas raiva na cara deles. Sempre estão descontrolados, fora de si, quando fazem isso. E eu não consigo imaginar que, nesse estado de espírito de besta, eles estejam realmente fazendo uso da razão e pensando: “se eu não bater, a criança vai crescer achando que pode tudo”. Duvido! Batem só de raiva. A criança aprontou alguma — afinal, é o que as crianças fazem, não? —, e esses pais e essas mães, sem o menor preparo para serem pais e mães, perdem o controle e partem para a agressão. Me parece pura incapacidade de refrear os instintos. É uma decisão tomada com as tripas. Então, mais tarde, quando alguém reprova o espancamento, só aí é que os pais e mães, já de cabeça fria, usam a razão pra tentar justificar o que fizeram. Enfim. Eu penso muito na necessidade de me policiar, pra tentar evitar atitudes imbecis. E isso que o Mujica disse pro Bial me deixou em estado de alerta, sabe. Eu fiquei pensando: será que eu também tomo certas decisões com as tripas, pra depois tentar justificar com a razão? Provavelmente, sim. Tô te escrevendo isto pra tentar justificar o bendito celular quebrado em mil pedaços. Mas, mal comecei a escrever, e uma sirene de alerta soou dentro da minha cabeça: será que, neste exato momento, tô usando a razão pra tentar justificar uma decisão tomada com as tripas? Bom, eu não sei. Realmente não sei. De qualquer forma, aqui vai a justificativa que eu elaborei, e que é absolutamente sincera (eu sinto mesmo as coisas como vou explicar agora, mas reconheço a possibilidade de todo esse meu discurso ser só uma manobra inconsciente pra não admitir que, na verdade, apenas fui estúpido). Sabe, as condições de funcionamento daquele celular estavam estragando os meus dias. Meus dias vinham sendo todos mais ou menos parecidos: eu acordava bem, disposto, agradecido por mais um dia de existência. Mas tudo isso já começava a mudar quando eu pegava o celular pra dar uma olhada no Facebook. Depois de checar as notificações, eu começava a rolar […]

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