Crônica | Parêntese

José Falero: Revolução em curso

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José Falero: Revolução em curso
Em Fórmula Mágica da Paz, o maior poeta brasileiro de todos os tempos — que, para quem ainda não sabe, é o Mano Brown — fala assim: Dois de novembro, era FinadosEu parei em frente ao São Luís, do outro ladoE durante uma meia hora olhei um por umE o que todas as senhoras tinham em comum?A roupa humilde, a pele escuraO rosto abatido pela vida duraColocando flores sobre a sepulturaPodia ser a minha mãeQue loucura Nunca sou capaz de ler ou escutar isso sem sentir vontade de chorar. Nunca. Mas agora, enquanto escrevo e tento não derramar lágrimas no teclado, me pergunto se por acaso esses versos podem atingir o leitor assim, tão em cheio, como atingem a mim. Será que podem? E se não podem, por que não podem? Na primeira vez em que compareci a um slam, um certo acontecimento me fez lembrar justamente dessa passagem de Fórmula Mágica da Paz. Foi na Praça da Matriz, onde acontece o Slam das Minas, no qual apenas poetas mulheres podem competir. Competição vai, competição vem, lá pelas tantas chega o momento do verso livre, que é uma espécie de pausa entre as etapas do slam propriamente dito e permite a participação de qualquer pessoa presente. Então, lá foi uma tiazinha recitar o seu poema. Toda acanhada, mas foi. Conheço uma pessoa trabalhadora quando vejo uma. E aquela tiazinha, tenho certeza, era uma trabalhadora. Não só era uma trabalhadora, como sou capaz de apostar que acabava de soltar do trabalho naquele momento: com a sua bolsa no ombro, chegou, esperou o momento do verso livre, sacou o seu poema, recitou-o, tornou a guardá-lo, agradeceu aos aplausos entusiasmados e, por fim, foi embora, numa direção diferente daquela da qual tinha vindo. Posso estar enganado, claro, mas o que deduzi foi o seguinte: no caminho entre o trabalho e o ponto de ônibus, talvez ela já tivesse esbarrado em alguma outra edição daquele mesmo slam, naquela mesma praça, naquele mesmo horário, e desde então devia andar prevenida, com o seu poema na bolsa, esperando aquela oportunidade: a oportunidade da expressão artística, historicamente negada ao povo deste país — o verdadeiro povo deste país. Aliás, sabe como era aquela tiazinha? A roupa humilde. A pele escura. O rosto abatido pela vida dura. Podia ser a minha mãe. Felizmente, porém, não era sobre a minha sepultura que ela colocava flores; era sobre a sepultura do cânone literário brasileiro, que, inclusive, já vai tarde. Sim, aquela tiazinha podia ser a minha mãe, do mesmo jeito que Natália Pagot — a poeta integrante do coletivo Poetas Vivos, que venceu aquela edição do Slam das Minas — podia ser a minha irmã. Na verdade, sempre sinto, em qualquer slam que eu vá, que todos os poetas podiam ser familiares meus; não é à toa a frequência com que eles se referem uns aos outros e ao público usando o termo “família”. E isso — introduzir-se numa manifestação cultural tão importante e percebê-la protagonizada por gente como a […]

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