Homeschooling no dos outros é refresco | Parêntese

Julieta Jerusalinsky: O que podemos aprender com as crianças durante a quarentena?

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Julieta Jerusalinsky: O que podemos aprender com as crianças durante a quarentena? Durante essa quarentena está acontecendo algo praticamente inédito: são os pais quem têm que, com exclusividade, cuidar das crianças! Após quatro semanas em isolamento e tendo provavelmente mais do que o dobro disso pela frente, viramos todos “do lar”, ainda que certamente não tão belos ou recatados, como no ideal de alguma primeira-dama. Pelo menos é o que revelam os índices de aumento de violência doméstica em nosso país durante a quarentena, ou o de divórcios após o seu término na China. Enquanto todos permanecem em casa, os vídeos caseiros circulam nas redes sociais. Metade deles oferece mil e uma possibilidades de atividades edificantes para que os pais mantenham as crianças aprendendo, felizes e produtivamente entretidas. Para além das boas intenções desses, na outra metade temos alguns flashes bastante irônicos, como os de pais desesperados diante do envelope de homeschooling pensando em todas as lições de casa que terão de fazer, em meio a reuniões virtuais de trabalho intercaladas com lavagem de roupa e passadas de pano. Ou de professoras que gravam aula virtual para seus alunos em tom cordial, mas mudam radicalmente de voz, como quem baixou o santo, diante dos filhos que interrompem; até outros bastante mais cruéis, em que pais se camuflam no sofá, desaparecendo, quando as crianças os chamam. Adoramos idealizar fofurices ao falar da infância. Mas é bom lembrar, junto com Foucault, que as escolas surgiram na mesma época que os manicômios e as prisões. Todas instituições dedicadas aos que estariam moralmente despreparados para a cidadania: loucos, transgressores e crianças. Portanto, ninguém disse que cuidar das crianças seria fácil. Inclusive essa é uma frase supracitada por pais no consultório de psicanalistas: dá muuuito trabalho! De fato, o amor infantil exige nada menos do que tudo, afirma Freud. São os adultos que precisam acolhê-las, permitindo-lhes experimentar os prazeres da vida, assim como, progressivamente, transmitindo-lhes restrições de satisfações imediatas em nome de outras muito mais complexas e a longo prazo que só poderão experimentar através dos ideais da cultura. Nesse caminho da estruturação psíquica e da educação, não há atalhos. Ao longo dele, as crianças, repletas de demandas, têm se encontrado cada vez mais com pais que, culpados pela pouca disponibilidade de tempo para conviver (já que assoberbados de trabalho), preferem satisfazer os filhos em tudo o que estiver ao seu alcance em nome de serem amados. Mas o conflito se apresenta quando não há mais uma agenda repleta de atividades fora de casa, de ambos os lados, que permita esquivar os conflitos. Sejamos realistas: as crianças, estas, já estavam confinadas, sem rua para poder brincar dada a violência, com jornadas escolares ou atividades extras de pelo menos oito horas por dia. A diferença é que agora os pais estão junto com elas. Os pais, por sua vez, já estavam profundamente solitários na tarefa de cuidar das crianças, já que este cuidado deixou de ser, há tempos, a responsabilidade de toda uma vizinhança, ou do convívio com uma família extensa, ocorrendo por meio de contratações de serviços […]

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Durante essa quarentena está acontecendo algo praticamente inédito: são os pais quem têm que, com exclusividade, cuidar das crianças! Após quatro semanas em isolamento e tendo provavelmente mais do que o dobro disso pela frente, viramos todos “do lar”, ainda que certamente não tão belos ou recatados, como no ideal de alguma primeira-dama. Pelo menos é o que revelam os índices de aumento de violência doméstica em nosso país durante a quarentena, ou o de divórcios após o seu término na China. Enquanto todos permanecem em casa, os vídeos caseiros circulam nas redes sociais. Metade deles oferece mil e uma possibilidades de atividades edificantes para que os pais mantenham as crianças aprendendo, felizes e produtivamente entretidas. Para além das boas intenções desses, na outra metade temos alguns flashes bastante irônicos, como os de pais desesperados diante do envelope de homeschooling pensando em todas as lições de casa que terão de fazer, em meio a reuniões virtuais de trabalho intercaladas com lavagem de roupa e passadas de pano. Ou de professoras que gravam aula virtual para seus alunos em tom cordial, mas mudam radicalmente de voz, como quem baixou o santo, diante dos filhos que interrompem; até outros bastante mais cruéis, em que pais se camuflam no sofá, desaparecendo, quando as crianças os chamam. Adoramos idealizar fofurices ao falar da infância. Mas é bom lembrar, junto com Foucault, que as escolas surgiram na mesma época que os manicômios e as prisões. Todas instituições dedicadas aos que estariam moralmente despreparados para a cidadania: loucos, transgressores e crianças. Portanto, ninguém disse que cuidar das crianças seria fácil. Inclusive essa é uma frase supracitada por pais no consultório de psicanalistas: dá muuuito trabalho! De fato, o amor infantil exige nada menos do que tudo, afirma Freud. São os adultos que precisam acolhê-las, permitindo-lhes experimentar os prazeres da vida, assim como, progressivamente, transmitindo-lhes restrições de satisfações imediatas em nome de outras muito mais complexas e a longo prazo que só poderão experimentar através dos ideais da cultura. Nesse caminho da estruturação psíquica e da educação, não há atalhos. Ao longo dele, as crianças, repletas de demandas, têm se encontrado cada vez mais com pais que, culpados pela pouca disponibilidade de tempo para conviver (já que assoberbados de trabalho), preferem satisfazer os filhos em tudo o que estiver ao seu alcance em nome de serem amados. Mas o conflito se apresenta quando não há mais uma agenda repleta de atividades fora de casa, de ambos os lados, que permita esquivar os conflitos. Sejamos realistas: as crianças, estas, já estavam confinadas, sem rua para poder brincar dada a violência, com jornadas escolares ou atividades extras de pelo menos oito horas por dia. A diferença é que agora os pais estão junto com elas. Os pais, por sua vez, já estavam profundamente solitários na tarefa de cuidar das crianças, já que este cuidado deixou de ser, há tempos, a responsabilidade de toda uma vizinhança, ou do convívio com uma família extensa, ocorrendo por meio de contratações de serviços […]

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