Crônica | Parêntese

Letícia Batista: Eindhoven

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Letícia Batista: Eindhoven Desvendar a história de Amsterdam passa por aprender uma das características holandesas mais antigas: a tolerância por conveniência. No passado, referia-se, por exemplo, à tolerância das autoridades com relação às expressões religiosas diversas de comerciantes bem-sucedidos; também à tolerância da Igreja Católica com a prostituição no porto, já que os marinheiros tinham suas “necessidades” e era possível, então, cobrar uma taxa por um perdão antecipado. Hoje, poderíamos atualizar o conceito sob a ótica de um meme: “Se organizar direitinho dá para cada um cuidar da sua vida e ainda sobra tempo para hidratar o cabelo”. E que cabelo essa galera tem. O estrangeiro que vem para a Holanda, especialmente advindo de uma país tão machista como o Brasil, se surpreende com a liberdade que sente. Queres um exemplo? No último verão, 42°, saí de shortinho e regata (seminua, para os padrões brasileiros) e não recebi sequer um olhar. E todas as minhas amigas brasileiras aqui têm relatos similares. Ouvir uma “gracinha” de um babaca na rua? Não existe. Aliás, é normal as meninas fazerem topless nos parques quando o sol finalmente vem depois do inverno. É normal as pessoas vestirem a roupa que quiserem, comerem o que quiserem, escutarem a música que quiserem, irem à festa que quiserem, à instituição religiosa com que se identificarem, ou não irem também. A regra é: não prejudicar o vizinho com minhas ações. Fora isso, a vida é minha e eu posso fazer o que achar conveniente para mim. E ninguém está preocupado com o que o outro faz ou não. Espera, comecei pelo meio. Eu sou a Letícia, escritora nas horas vagas, cujo marido recebeu uma proposta para trabalhar na Holanda, no final de 2017. Anos atrás nós moramos em Israel, pela mesma razão. Mas naquela época foi muito mais fácil: os dois bem jovens, em início de carreira, nada muito estruturado na vida. Foi uma aventura e tanto. Agora a coisa era diferente: tínhamos um apartamento a quitar, eu tinha um emprego legal e que me fazia sentir realizada e era tudo meio incerto. Eu fiz o que achei justo: “vai, é uma baita oportunidade pra ti. Se não curtir, volta pra casa. E se curtir, a gente vê o que faz.” E ele foi. E em uma semana já tinha alugado um apartamento, já tinha o cartão de desconto do super e pedalava 40km por dia para ir para a Philips. Eu visitei o cidadão 2 vezes e não teve jeito: me mudei para cá também. Não, nós não moramos em Amsterdam. Moramos em Eindhoven. É, eu sei, ninguém conhece. A gente tem que explicar que é a cidade do PSV: aí as pessoas fazem “aaah, tá”. O clima aqui me lembra o de Porto Alegre: chove com frequência (apesar de os temporais serem raros), quando esquenta não é brincadeira e reclamar do vento é bobagem: estamos na terra dos moinhos, não é?  Eindje, para os íntimos, ou a Cidade das Luzes, tem pouco menos de 356 mil habitantes e se […]

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Desvendar a história de Amsterdam passa por aprender uma das características holandesas mais antigas: a tolerância por conveniência. No passado, referia-se, por exemplo, à tolerância das autoridades com relação às expressões religiosas diversas de comerciantes bem-sucedidos; também à tolerância da Igreja Católica com a prostituição no porto, já que os marinheiros tinham suas “necessidades” e era possível, então, cobrar uma taxa por um perdão antecipado. Hoje, poderíamos atualizar o conceito sob a ótica de um meme: “Se organizar direitinho dá para cada um cuidar da sua vida e ainda sobra tempo para hidratar o cabelo”. E que cabelo essa galera tem. O estrangeiro que vem para a Holanda, especialmente advindo de uma país tão machista como o Brasil, se surpreende com a liberdade que sente. Queres um exemplo? No último verão, 42°, saí de shortinho e regata (seminua, para os padrões brasileiros) e não recebi sequer um olhar. E todas as minhas amigas brasileiras aqui têm relatos similares. Ouvir uma “gracinha” de um babaca na rua? Não existe. Aliás, é normal as meninas fazerem topless nos parques quando o sol finalmente vem depois do inverno. É normal as pessoas vestirem a roupa que quiserem, comerem o que quiserem, escutarem a música que quiserem, irem à festa que quiserem, à instituição religiosa com que se identificarem, ou não irem também. A regra é: não prejudicar o vizinho com minhas ações. Fora isso, a vida é minha e eu posso fazer o que achar conveniente para mim. E ninguém está preocupado com o que o outro faz ou não. Espera, comecei pelo meio. Eu sou a Letícia, escritora nas horas vagas, cujo marido recebeu uma proposta para trabalhar na Holanda, no final de 2017. Anos atrás nós moramos em Israel, pela mesma razão. Mas naquela época foi muito mais fácil: os dois bem jovens, em início de carreira, nada muito estruturado na vida. Foi uma aventura e tanto. Agora a coisa era diferente: tínhamos um apartamento a quitar, eu tinha um emprego legal e que me fazia sentir realizada e era tudo meio incerto. Eu fiz o que achei justo: “vai, é uma baita oportunidade pra ti. Se não curtir, volta pra casa. E se curtir, a gente vê o que faz.” E ele foi. E em uma semana já tinha alugado um apartamento, já tinha o cartão de desconto do super e pedalava 40km por dia para ir para a Philips. Eu visitei o cidadão 2 vezes e não teve jeito: me mudei para cá também. Não, nós não moramos em Amsterdam. Moramos em Eindhoven. É, eu sei, ninguém conhece. A gente tem que explicar que é a cidade do PSV: aí as pessoas fazem “aaah, tá”. O clima aqui me lembra o de Porto Alegre: chove com frequência (apesar de os temporais serem raros), quando esquenta não é brincadeira e reclamar do vento é bobagem: estamos na terra dos moinhos, não é?  Eindje, para os íntimos, ou a Cidade das Luzes, tem pouco menos de 356 mil habitantes e se […]

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