Parêntese | Resenha

Luís Augusto Fischer: Experiência e História

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Luís Augusto Fischer: Experiência e História Por Luís Augusto Fischer Apresentação para o livro Terra adentro, de Luiz Sérgio Metz, Pedro Luiz da Silveira Osório e Tau Golin, editora Arquipélago, Porto Alegre, 2006. Este é um livro sobre o tempo, mais do que sobre o espaço. Terra adentro também se poderia chamar Tempo afora, e não ficaria mal, nem seria enganoso. Porque o que o leitor tem agora em mãos é um daqueles livros que realiza o milagre de portar em si a experiência — o livro carrega o relato de episódios acontecidos num espaço, que é por onde começa toda experiência, mas carrega junto a meditação sobre os episódios, onde se configura a experiência. A meditação, que só acontece no tempo. A repetição da palavra “experiência” não é gratuita: estamos diante de um livro que se fez com, e que proporciona ao leitor conhecer, a experiência. Num mundo como este de 2006, mundo que é contemporâneo de si mesmo numa intensidade jamais vista, pela quase simultaneidade entre fato e relato, entre o gol e sua avaliação segundo vários ângulos, entre atentado e foto na internet, o valor da experiência anda em baixa. Mais desprestigiado ainda do que na época de Walter Benjamin, testemunha dos começos do nazismo e da Segunda Guerra, quando a capacidade humana de perceber e transmitir o mundo sofreu duros golpes, que não vieram apenas da truculência explícita patrocinada pelo estado, mas também, ou principalmente, da avassaladora intrusão da técnica na vida cotidiana. “Uma geração que ainda fôra à escola num bonde puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano”, anota Benjamin em seu conhecido ensaio Experiência e pobreza [1]. Vida mais acelerada, com o automóvel e o avião; vida mais intensa, com a luz elétrica e a máquina de escrever (essa designação, “máquina de escrever”, impessoal e ligeiramente aterrorizante, hoje soa ingênua, mas dá bem a medida do impacto de sua chegada); em suma, vida muito mais agitada, mais povoada de episódios, e paradoxalmente menos capaz de experiência, essa marca humana que requer duração, tempo, respiração para erigir-se — esse é o mundo de referência do ensaísta alemão. E o que diria ele do mundo de hoje? Entre sua vida e a nossa, entraram em cena o rádio, que aboliu a distância da fala, a televisão, que desconstituiu o afastamento espacial, e agora a rede mundial de computadores, que aparentemente colocou todos os seres humanos que estejam minimamente integrados à vida social num presente eterno, numa teia de informações que parece disponibilizar agora mesmo qualquer dado sobre qualquer evento em qualquer espaço ou tempo. Tudo ao mesmo tempo agora — e como encontrar as condições para produzir a experiência? * Descendo ao terreno da objetividade: este livro chamado Terra adentro reproduz o relato de uma viagem empreendida por três jovens amigos, Pedro Luiz da Silveira Osório, Luiz Carlos “Tau” Golin e Luiz Sérgio “Jacaré” […]

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Por Luís Augusto Fischer Apresentação para o livro Terra adentro, de Luiz Sérgio Metz, Pedro Luiz da Silveira Osório e Tau Golin, editora Arquipélago, Porto Alegre, 2006. Este é um livro sobre o tempo, mais do que sobre o espaço. Terra adentro também se poderia chamar Tempo afora, e não ficaria mal, nem seria enganoso. Porque o que o leitor tem agora em mãos é um daqueles livros que realiza o milagre de portar em si a experiência — o livro carrega o relato de episódios acontecidos num espaço, que é por onde começa toda experiência, mas carrega junto a meditação sobre os episódios, onde se configura a experiência. A meditação, que só acontece no tempo. A repetição da palavra “experiência” não é gratuita: estamos diante de um livro que se fez com, e que proporciona ao leitor conhecer, a experiência. Num mundo como este de 2006, mundo que é contemporâneo de si mesmo numa intensidade jamais vista, pela quase simultaneidade entre fato e relato, entre o gol e sua avaliação segundo vários ângulos, entre atentado e foto na internet, o valor da experiência anda em baixa. Mais desprestigiado ainda do que na época de Walter Benjamin, testemunha dos começos do nazismo e da Segunda Guerra, quando a capacidade humana de perceber e transmitir o mundo sofreu duros golpes, que não vieram apenas da truculência explícita patrocinada pelo estado, mas também, ou principalmente, da avassaladora intrusão da técnica na vida cotidiana. “Uma geração que ainda fôra à escola num bonde puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano”, anota Benjamin em seu conhecido ensaio Experiência e pobreza [1]. Vida mais acelerada, com o automóvel e o avião; vida mais intensa, com a luz elétrica e a máquina de escrever (essa designação, “máquina de escrever”, impessoal e ligeiramente aterrorizante, hoje soa ingênua, mas dá bem a medida do impacto de sua chegada); em suma, vida muito mais agitada, mais povoada de episódios, e paradoxalmente menos capaz de experiência, essa marca humana que requer duração, tempo, respiração para erigir-se — esse é o mundo de referência do ensaísta alemão. E o que diria ele do mundo de hoje? Entre sua vida e a nossa, entraram em cena o rádio, que aboliu a distância da fala, a televisão, que desconstituiu o afastamento espacial, e agora a rede mundial de computadores, que aparentemente colocou todos os seres humanos que estejam minimamente integrados à vida social num presente eterno, numa teia de informações que parece disponibilizar agora mesmo qualquer dado sobre qualquer evento em qualquer espaço ou tempo. Tudo ao mesmo tempo agora — e como encontrar as condições para produzir a experiência? * Descendo ao terreno da objetividade: este livro chamado Terra adentro reproduz o relato de uma viagem empreendida por três jovens amigos, Pedro Luiz da Silveira Osório, Luiz Carlos “Tau” Golin e Luiz Sérgio “Jacaré” […]

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