Memória

Lugares da Classe Trabalhadora em Porto Alegre 8: Livraria Internacional

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Lugares da Classe Trabalhadora em Porto Alegre 8: Livraria Internacional Fachada da antiga Livraria Nacional, hoje, em 2022 (Foto: Frederico Bartz)

O movimento anarquista foi muito forte na cidade de Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX, especialmente entre trabalhadores, com uma forte atuação entre as organizações sindicais. Os militantes libertários foram hegemônicos na Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), que reunia e coordenava diversos sindicatos, a partir do ano de 1911, sendo os principais responsáveis pelas mobilizações que conduziram as greves históricas de 1917, 1918 e 1919. Após 1920, o movimento anarquista (assim como o movimento operário como um todo) sofreu uma retração, por conta da repressão e das crises econômicas que afetaram os empregos dos operários industriais. Nesse período foi reforçada a atuação dos anarquistas no setor da educação e da difusão do conhecimento, com a criação de revistas e escolas voltadas para a classe trabalhadora; nessa década também surgiu um dos principais espaços de difusão do anarquismo em Porto Alegre, a Livraria Internacional, fundada em 1925.



A Livraria Internacional foi criada por Friedrich Kniestedt e era administrada por ele e por sua companheira, Elisa Hedwig. Sua sede se localizava na rua Voluntários da Pátria, primeiro no n. 1201 e depois no n. 1195, próximo da Estação Ferroviária (atualmente próximo da Rodoviária de Porto Alegre). Essa localização era estratégica, pois a Voluntários da Pátria tinha um grande número de fábricas, ficava próximo da ferrovia e dos trapiches fluviais, sendo uma via em que circulava um grande número de trabalhadores. A família Kniestedt havia chegado em Porto Alegre no ano de 1917, se estabelecendo no arrabalde da Floresta; Friedrich se tornou um dos principais líderes anarquistas da capital gaúcha, tendo um papel destacado como organizador da comunidade operária de língua alemã. Em 1920, ele criou o jornal Der Freie Arbeiter (O trabalhador livre) e também organizou a Sozialisticher Arbeiter Verein (Sociedade dos trabalhadores socialistas) para reunir os anarquistas teuto-brasileiros. Nos primeiros anos da década de 1920, a família Kniestedt se estabeleceu no bairro São João, mudando-se posteriormente para a Voluntários da Pátria, onde ficariam mais próximos de uma grande concentração de operários. 

A ação militante da família Kniestedt se tornou mais estável depois da criação da Livraria Internacional, tornando esse lugar um centro de difusão de conhecimento e reunião de trabalhadores. Em primeiro lugar, a Livraria teve um papel importe na circulação de livros, jornais e também de imagens que vinham da Europa. O pintor Carlos Scliar, por exemplo, afirmava que teve seu primeiro contato com o expressionismo, ainda criança, ao observar reproduções de obras de artistas alemães quando visitava a Livraria junto de Henrique Scliar, que era uma das lideranças dos trabalhadores judeus de Porto Alegre e era um grande amigo de Friedrich Kniestedt. Outra função importante da Livraria Internacional era ser um local de reunião para trabalhadores. A partir de abril de 1929, o prédio vai ser espaço de reunião do Sindicato dos Marceneiros e Carpinteiros, do Sindicato Padeiral, do Sindicato dos Canteiros, do Sindicato dos Trabalhadores em Moinhos, do Sindicato dos Ofícios Vários e vai abrigar a Sala de Leitura do Grupo Anarquista Internacional. Também a partir maio de 1929, a Livraria vai aparecer como sede da Federação Operária do Rio Grande do Sul, sendo sua última sede sob hegemonia dos anarquistas. 

Em 1933, a Livraria Internacional passou ser o local de organização da Liga Für Menschenrecht (Liga dos Direitos Humanos) e da redação do jornal Aktion (Ação), se tornando o principal centro da luta antinazista na capital gaúcha. A Liga tinha a importante função de mobilizar a comunidade alemã (principalmente a população operária) contra o nazismo, que ganhava cada vez mais adeptos em Porto Alegre. Friedrich Kniestedt e Elisa Hedwig dedicaram seu tempo e seus esforços na luta contra o fascismo, mas as perseguições que sua família sofreu os fizeram deixar o endereço, mudando-se para uma chácara no bairro Petrópolis. O prédio da antiga Livraria Internacional, mesmo bastante modificado, permanece na Avenida Voluntários da Pátria, como mais um desses locais que resistem ao tempo e trazem em si uma grande possibilidade de resgate da memória da cidade. 

Na próxima edição dessa série vamos falar sobre a Casa de Joseph Winge, na Tristeza, um local de organização dos camponeses desse arrabalde rural, mais um lugar de memória operária na capital gaúcha.

  • Além de acompanhar os textos aqui publicados, visitem e curtam a página de facebook dos Caminhos Operários em Porto Alegre, para saber um pouco mais sobre essa história. 

Frederico Bartz é mestre e doutor em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e trabalha como técnico em assuntos educacionais nessa mesma universidade, onde coordena o curso de extensão Caminhos Operários em Porto Alegre.

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