Entrevista | Parêntese

Muitas línguas, muita leitura

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Muitas línguas, muita leitura
Entrevista com Nataniel Ngomane Ouvir histórias como a de nosso entrevistado de hoje ajuda a botar em perspectiva o nosso cotidiano. Para nós, imagino que quase todos os leitores da Parêntese, falar o Português é trivial, algo aprendido sem consciência; entretanto, para Nataniel Ngomane a língua de Drummond e Quintana, de Guimarães Rosa e Erico Verissimo entrou como quarta língua, depois do Xitshwa, do Cicopi e do Ronga. Sim, senhor, três línguas distintas, antes do nosso idioma.  Faz diferença isso? Imagine se não. Numa sala de aula moçambicana até hoje os alunos dispõem da plasticidade proporcionada pelo bi ou trilinguismo. Uma riqueza subjetiva que é difícil de mensurar, mas fácil de imaginar, na medida em que cada língua é, muito mais e antes do que uma coleção de nomes, uma maneira de ver e de estar no mundo, um estilo de interpretação do mundo, uma tábua de valores sutis. Conheci a grande figura que é o Nataniel por intermédio do Arthur de Faria, que o havia conhecido num festival de cultura popular na Serra do Cariri, Ceará. Depois desse primeiro contato, tive a sorte de falar com ele ao vivo, aqui em Porto Alegre. Passeamos pela cidade e, de quebra, pudemos realizar um gosto dele (e meu, naturalmente), conversar com Luis Fernando Verissimo.  Nosso entrevistado doutorou-se na USP, mas antes estudou em Cuba. Menino, em Moçambique, ouvia Martinho de Vila e Teixeirinha, e conheceu Jorge Amado quando ele era proibido. Hoje em dia, Nataniel Ngomane tem desenvolvido um conjunto interessantíssimo de práticas de estímulo à leitura, algumas das quais dá pra conhecer no seu perfil no Facebook. A história dele ilumina a nossa com uma luz enviesada, como convém a uma boa iluminação. De óbvio chega o nosso cotidiano. A entrevista foi feita por email, entre dezembro e janeiro. Foram mantidas a ortografia e as manhas da escrita moçambicana do português, mais próximas da matriz lusitana do que do estilo brasileiro.  Luís Augusto Fischer   Parêntese – Conta algo da tua formação inicial. Escola primária, vida familiar, ambiente linguístico. Como era isso das línguas na tua região e na tua família? Havia mais de uma língua em uso frequente? Tu manejavas todas? Alguma lembrança interessante desse aprendizado? Nataniel Ngomane – A minha formação inicial, mais concretamente, na escola primária, dá-se em Lourenço Marques, hoje Maputo, a capital de Moçambique. Os meus pais, emigrantes da província de Inhambane, onde nasci – a cerca de quinhentos quilómetros da capital –, tinham-se fixado num dos maiores bairros suburbanos da então Lourenço Marques, o Chamanculo. Bairro pobre, com casas de madeira e zinco – na sua maioria –, outras de caniço. Foi nesse bairro onde eu brinquei e cresci, desde os nove meses de idade. Marcou muito a minha vida, o meu imaginário e, inclusive, guardo dele lindíssimas e significativas lembranças. Nesse bairro, cresci numa casa de madeira e zinco, sempre cheia de gente. Os meus pais, imigrantes de primeira hora, recebiam novos imigrantes com regularidade, seus familiares. Quer do lado paterno, quer do […]

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