Querido livro, Sinto que te devo muitas explicações. ‘‘Por que agora?’’ ‘‘Por que uma editora popular mineira?’’ ‘‘Por que numa coleção de bolso?’’ ‘‘Por que esse título?’’ ‘‘Por que tu e não outro?’’ Se tu fosses uma pessoa, muitas dessas respostas vagariam para sempre no vácuo das perguntas filosóficas existenciais jamais sanadas. Quantas incontáveis vezes já me perguntei ‘‘Por que eu e não outra?’’ Porém, após alguns anos, apenas aceitei o fato de eu ser eu, aquela que não é outra. Sinto tuas perguntas me pesarem e peço-te: paciência, o tempo irá nos trazer algumas respostas e maturidade para viver com aquelas ausentes. Sei que és um livro pequeno e isto tem te incomodado. Sentes medo. O medo que acompanha as crianças de pequena estatura. Normal. Na prateleira muitos livros irão te intimidar com olhares soberbos e acusadores, a maioria serão romances. Permita-te chorar, se quiseres. Contudo, se o fizer, faça-o de canto. Ainda são raros os exemplares que respeitam as sensibilidades oriundas dos humanos, e como carregas a minha, é muito provável que chores bastante durante tua existência. Peço-te, porém, não te acanhes demasiado. Lembra-te que romances contam uma só história, quando bons, uma história carregada de duas ou três bem amarradas. Tu, querido, nas pequenas 100 páginas carregas dez. Consola-te. Sinto também tua decepção ao nascer durante uma pandemia. Sem batismo nem ritual de passagem povoado de gentes amigas, desconhecidas sorridentes em meio a bebidas, comidas e música. Não te apegues àquilo que ainda não temos. Considera-te um quase milagre, aquele tipo de erva, chamada por alguns daninha, brotando no impossível chão de uma calçada da José do Patrocínio. Imagine a possibilidade de ser fruto florescido em meio ao maior período de morte que conhecemos. Um sopro de esperança para a rotina de algumas pessoas. Poucas, confesso-te, porém pessoas amadas. Precisamos continuar criando chance para a vida, e não apenas respirando. Esta foi a tua vez. Aceita alguma hora dessas, por favor, a beleza daquilo que temos. Ademais, como primogênito irás carregar para sempre o peso do inédito, e por isso o fardo da minha falta de experiência. Tua bênção e maldição. Nunca nenhum outro livro será tão esperado por mim como tu foste. Eras durante muito tempo uma não-possibilidade. Uma lembrança embaçada atrás de óculos molhados da chuva ácida paulistana, ou um grito mudo nos pesadelos suíços. Tão improvável, distante e impossível que não me permitia sonhar-te. Sei que eu podia ter planejado melhor, entretanto a vida não é perfeita, e eu muito menos. A gente vai vivendo e de repente se depara com a perspectiva de uma realização que passou tanto tempo no campo das coisas hipotéticas, tanto tempo, mas tanto tempo, que planejá-la corretamente torna-se mais difícil e penoso. Não é pelo trabalho que dá ou pelos desafios, é pela carga emocional que transborda. Não é simples criar, construir e fazer o melhor possível em meio a angústias antigas e sonhos abortados, acordando todos do limbo das memórias imaginárias. Um dia iremos conviver bem. Sei. Sinto […]
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