Nossos Mortos

Cedo demais

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Cedo demais

Contardo chegou a Porto Alegre no final da década de 80. Era um homem culto, psicanalista formado no âmbito da subversão lacaniana, elegante e sedutor. Estas características pessoais já seriam suficientes para despertar a atenção daqueles que frequentavam o ambiente psicanalítico de Porto Alegre, mas tinha mais… Apesar de se apresentar como herdeiro de uma tradição, culturalmente europeia e psicanaliticamente francesa, desde sempre se mostrou um iconoclasta.  

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Contardo chegou a Porto Alegre no final da década de 80. Era um homem culto, psicanalista formado no âmbito da subversão lacaniana, elegante e sedutor. Estas características pessoais já seriam suficientes para despertar a atenção daqueles que frequentavam o ambiente psicanalítico de Porto Alegre, mas tinha mais… Apesar de se apresentar como herdeiro de uma tradição, culturalmente europeia e psicanaliticamente francesa, desde sempre se mostrou um iconoclasta.  

Naquela época, nós, aspirantes a psicanalistas, recebíamos uma formação um tanto ortodoxa, com sólidos fundamentos conceituais, mas desinteressada em relação à forma como as mudanças sociais produziam diferentes formas de subjetivação.

Pode parecer banal, mas Contardo nos ajudou a ver algo óbvio, e que para muitos de nós estava ocultado por dogmatismos e racionalismos: é a escuta de nossos pacientes e a tentativa de compreensão de nosso tempo que pode nos orientar na clínica.

Para muitos de nós, que fazíamos um esforço enorme para ler e entender Lacan, ele dizia coisas do tipo: “um seminário de Lacan deve ser lido em não mais do que três dias”, ou “o estruturalismo fez com que a psicanálise estagnasse por mais de vinte anos”. Não era uma proposta de simplificação, mas, sim, uma recusa à subordinação teórica e à filiação acrítica.

Contardo assumia um estilo próprio na condução de sua clínica, muitas vezes realizando uma série de entrevistas preliminares, que não eram cobradas, antes de aceitar alguém em análise. Quando o procurei, ele radicalizou esta prática. Até hoje não sei se fiz análise com ele, pois nos encontramos durante todo um ano, semanalmente, quando eu falava de minhas inquietações, dúvidas e desejos. Era uma análise/conversa. Cada vez que eu perguntava sobre os acertos que tinham que ser feitos, como o valor da sessão, e a forma de pagamento, ele só me dizia “vamos seguindo assim…”. Estes encontros só foram interrompidos com sua mudança de Porto Alegre para os Estados Unidos…

Contardo foi cedo demais.


Eduardo Mendes Ribeiro – Psicanalista, membro da APPOA

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