Nossos Mortos

Homenagem a Heloisa Jahn

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Homenagem a Heloisa Jahn

Caríssimos leitores, pensem nos seguintes livros, todos eles entre os melhores da literatura latino-americana: Mascaró, o caçador americano, de Haroldo Conti (Brasiliense, 1985); O obsceno pássaro da noite, de José Donoso (Benvirá, 2013); Em breve cárcere, de Sylvia Molloy (Iluminuras, 1995); Respiração artificial, de Ricardo Piglia (Iluminuras, 1987); O grande, de Juan José Saer (Companhia das Letras, 2010); Os informantes, de Juan Gabriel Vásquez (L&PM, 2010).

Se você leu algum (ou vários) deles nestas edições, saiba que eles só existem em português porque foram traduzidos pela Heloisa Jahn, uma das grandes tradutoras brasileiras, que nos deixou no dia 27 de junho, aos 74 anos. E essa é apenas uma pequena amostra, focada na literatura latino-americana que ela tanto amava, dos livros que a Heloisa traduziu ao longo de mais de quarenta anos de trabalho (foram mais de cem livros traduzidos, do inglês, francês, espanhol, sueco e dinamarquês). Além dos livros citados, podemos destacar também a tradução de vários volumes da Biblioteca Jorge Luis Borges, publicada pela Companhia das Letras entre 2007 e 2013, e, para a mesma editora, o primeiro volume da magnífica edição de Todos os contos, de Julio Cortázar, lançada no ano passado, reunindo os contos escritos pelo grande escritor argentino entre 1945 e 1966 (o segundo volume reúne os contos escritos entre 1969 e 1983, e foi traduzido por Josely Vianna Baptista). 

De Cortázar, que Heloisa conheceu pessoalmente no período em que viveu na França, ela também já tinha traduzido os contos de A autoestrada do sul & outras histórias, antologia publicada pela L&PM Editores em 2013, para a qual fiz a seleção e escrevi o prefácio. Naquele mesmo ano, em função do lançamento dessa antologia, fui incumbido pelos organizadores da Feira do Livro de Porto Alegre de montar uma mesa chamada “Cortázar: tradução e criação na literatura hispano-americana”, para a qual convidei a Heloisa e o Ernani Ssó, outro cortazariano de carteirinha. Foi a única vez em que pude conversar pessoalmente com ela e constatar o que todo mundo atesta: que Heloisa era uma pessoa brilhante, gentil, simpática e generosa como poucas. Pessoalmente, lamento muito que não tenhamos conversado mais depois disso, para além de uma troca esporádica de e-mails.

Heloisa Jahn faz parte de uma brilhante geração de tradutorxs que despontou ali pelo final dos anos 1970 e início dos 1980 e que inclui nomes como Denise Bottmann, Rosa Freire d’Aguiar, Paulo Henriques Britto, Josely Vianna Baptista e Leonardo Fróes, entre outros, todos ainda – felizmente – em plena atividade. Além de tradutora, Heloisa foi também editora, tendo trabalhado nas editoras Brasiliense, Companhia das Letras e Cosac Naify. Na função de editora, foi responsável pelo lançamento de um número ainda maior de livros do que aqueles que traduziu, tratando os autores e seus rebentos literários sempre com o maior carinho e respeito, segundo todos os relatos.

Aqui nos despedimos dela, transcrevendo os depoimentos de alguns de seus colegas tradutores, que, a pedido da Parêntese, gentilmente enviaram esses pequenos textos para que pudéssemos homenagear de maneira digna e carinhosa uma das grandes tradutoras do país. Obrigado por tudo, Helô!

Denise Bottmann: “Helô, mulher bonita, mulher de garra, mulher de talento. Foi ela um dos meus primeiros contatos no mundo da tradução editorial: idos de 1984, na saudosa Brasiliense. Chegada ao céu, finalmente teremos uma belíssima tradução da Bíblia que Deus lhe encomendará.”

Silvia Massimini Felix: “A partida repentina de Heloísa Jahn nos enche a todos de consternação. Uma tradutora excelente, criativa e impecável, bem como pessoa de inúmeras qualidades, dentre elas a gentileza e doçura com que nos tratava. Nos últimos anos, juntas fizemos diversos projetos e dobradinhas tradução/preparação, dos quais me recordo sobretudo pela generosidade com que ela sempre dividiu seus imensos e maravilhosos conhecimentos. Sem dúvida, uma perda imensa para o mundo das letras.”

Paulo Henriques Britto: “No final dos anos 70, fui um dos organizadores de um concurso de tradução literária na PUC-Rio. A Heloisa ganhou o prêmio da melhor tradução de um poema de Eliot. Ficamos amigos anos depois, quando comecei a traduzir para a Companhia das Letras, onde ela trabalhava. Nos falávamos regularmente, e nos víamos quando eu ia a São Paulo ou ela vinha ao Rio. Heloisa era uma pessoa encantadora e uma profissional excelente; na sua produção recente, eu destacaria as traduções de Cortázar e de Andersen, que tenho lido para meu neto mais velho. Com a pandemia, fiquei mais de dois anos sem viajar; desde 2019 que não estive com ela. Vou sentir sua falta imensamente.”

José Geraldo Couto: “Para além da grande tradutora e editora que ela foi, Heloisa para mim representa a encarnação de um ideal de afabilidade e de civilidade. Sua vasta cultura, sua vivência cosmopolita, nada disso se sobrepunha a sua modéstia genuína e a sua curiosidade para ouvir o outro e aprender com ele. Fosse seu interlocutor um diplomata ou um porteiro, uma artista renomada ou uma faxineira, Heloisa tinha a faculdade de conversar de igual para igual com todos. Isso é muito raro e muito belo.”

Rosa Freire d’Aguiar: “Ah, Heloisa querida, lembra aquele nosso jantar num inverno em Paris, em que a cliquei com o Loro no ombro – o papagaio africano de nossos amigos? Lembra que você se sentiu, em suas palavras, uma Frida Kahlo brincando com certo exotismo? Pois é, Helô, dividimos tantos bons projetos editoriais, você me apresentou ao Padura, me encaminhou ao Piglia, mas quero sempre pensar em você como naquela noite, com seu sorriso e seu olhar maroto, sua inteligência luminosa.”


Heloisa Jahn (Arquivo pessoal de Rosa Freire d’Aguiar)

Sergio Molina: “A Heloisa também foi uma excelente editora, que olhava com muita sensibilidade para quem ficava do lado de cá, traduzindo na precariedade boia-frila que ela também experimentava na própria carne. Guardo por ela uma gratidão imensa por ter reconhecido de fato meu direito a Direitos Autorais sobre obras que traduzi – e não apenas sobre aquelas em domínio público. Algo que deveria ser geral, que se perdeu como um gesto isolado, mas que, por isso mesmo, é tão precioso.”

E aqui deixamos o link para um depoimento de Heloisa Jahn para a Biblioteca Mário de Andrade, de São Paulo, veiculado em abril de 2021, em que ela conta um pouco de sua trajetória, fala de seu trabalho como tradutora e editora e de sua paixão pela literatura.

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