Nossos Mortos

Uma cantora, muitos percalços

Change Size Text
Uma cantora, muitos percalços Maria da Graça (Foto: arquivo pessoal)

Maria da Graça dos Santos Magliani de Azevedo era seu nome civil. Casou cedo, teve dois filhos. Enviuvou e nos dias atuais vivia da magra pensão que lhe coube por direito mas que era diminuída em boa parte porque o banco, segundo dizia, “comia uma boa parte”. Esse é o lado realista que passou a viver em Porto Alegre depois de uma longa temporada na Pauliceia, na distante década de 70, quando desencantou-se com o meio artístico e chutou o pau da barraca, retornando ao sul. Nesse aspecto sua vida até lembra a da cantora Alberta Hunter, porque, depois de voltar ao sul, Maria da Graça passa a trabalhar como enfermeira e cuidadora. 

Maria da Graça revelou-se na juventude como a grande promessa real de cantora, uma voz extraordinária, a tal ponto que fora levada para São Paulo e lá – na altura de 1972 – tornou-se a grande atração da noite em show no então badalado “Cortiço Negro”, um ponto alternativo onde, fazendo cortina, isto é, antecedendo, ninguém mais, ninguém menos do que Gal Costa!!! A cada término de suas apresentações era ovacionada e saía desmaiada de cena carregada pelos espectadores. Um sucesso retumbante. 

E então, nesse capítulo, surge a fotógrafa Marisa Alves de Lima que a divulga, e Gracinha – como os mais íntimos, a chamavam – é levada para o Rio, e lá desentende-se com sua própria destinação e retorna para Porto Alegre. Nunca mais foi a mesma. 

A brilhante cantora que explodira com o conjunto “Uma mordida na flor”, estreando no Teatro de Arena, que fizera temporada no Encouraçado Butikin, cantara no programa da Rede Globo “Som Livre Exportação” no Auditório Araújo Vianna, antes das estrelas Ivan Lins e Elis Regina, voltava aos pagos e seria, como afirmei antes, enfermeira, mãe e dona de casa. 

Era irmã da pintora Magliani, e juntas compunham, com mais um irmão, Antônio (Toninho, já falecido), a família Magliani, moradores no distante bairro do Sarandi, filhos de Manoel, funcionário público, e Hilda, de prendas domésticas. Sua vida não foi venturosa, pois devido aos excessos herdados dos trepidantes anos 1960 – under influence by Janis Joplin e Jimmy Hendrix – passou por muitas crises de fundo psicótico. Em um de seus surtos prometeu matar sua irmã, culpando-a por seu fracasso artístico.

E ainda, sobreposto a isto, a desdita recaindo sobre os filhos. Cooptados, um morto pelo tráfico (a popular queima de arquivo) e outro ainda agora cumprindo pena. Conto tudo isso porque no período entre os anos 1967 e 1970, com o ator Francisco Fabretti, fomos produtores e empresários daquele grupo musical de vanguarda cujo bandleader era o compositor Wanderley Falkenberg e, portanto, éramos as legítimas testemunhas oculares. 

Confesso que já nos anos mais recentes, na altura de 2018, consegui, com a ajuda de amigos e antes da pandemia, reunir Gracinha com o músico Gilberto Oliveira e realizamos dois ensaios no Teatro de Arena para fazer sua rentrée. Eu seria o diretor, roteirista e produtor de um show. Décadas depois, sua voz estava intacta. 

Hoje, nesta segunda-feira, dia oito de agosto, essa pessoa que ela foi calou-se para sempre. Maria da Graça faleceu em Porto Alegre. Foi uma vida de muitos percalços, é triste dizer e reconhecer.

Renato Rosa é marchand, vive e trabalha no Rio de Janeiro.

RELACIONADAS
;
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.