Ensaio | Parêntese

O meio, a borda e os dinossauros

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O meio, a borda e os dinossauros Eduardo Vicentini de Medeiros Em março do corrente ano me mudei, levando malas e nenhuma cuia, para Santa Maria, o tal “coração do Rio Grande do Sul”. De largada, devo confessar que não nutro simpatia por essa exaurida metáfora anatômica.  Prezo as bem marcadas diferenças entre os corpos naturais, orgânicos, e os ditos corpos sociais, artificiais. A existência dos últimos é dependente da comezinha articulação provisória das vontades e intenções dos membros que os compõem. Assim é com matrimônios, empresas, cidades ou parlamentos. Já a existência dos primeiros depende do insondável Big Bang, complexos processos de seleção natural e outros enigmas, mais ou menos teleológicos. Assim é com bactérias, primatas, samambaias ou galáxias.  Analogias, metáforas ou sinédoques, que mesclam propriedades de corpos naturais e sociais, acabam apresentando à imaginação alguma variedade de círculo quadrado. Se insistirem em me vender essa metáfora cardíaca, seria quase uma irresponsabilidade não reconhecer que os seus batimentos andam em baixa, literalmente e simbolicamente. Apresentam-se quase inaudíveis, operando no limiar inferior do estetoscópio.  No entanto, este texto não pretende ser um amontoado de lamúrias e chorumelas sobre a anatomia do buraco regional em que estamos metidos. Quero dar notícia de um grande feito. E de seus efeitos na minha compreensão do que significa habitar o meio do mapa do Rio Grande do Sul. Ou, dado que filósofos amam a generalidade, do que significa habitar o meio de qualquer mapa. Sendo assim, deixemos de lado por um momento a simulação temerária de que o Rio Grande do Sul tenha um coração, ou pelo menos um que ainda pulse sadio, e vamos aos fatos. O que parece inequívoco é que o Rio Grande do Sul possui um centro, um centro geográfico, um meio do mapa. Não sou cartógrafo ou topógrafo, mas fiando-me na Wikipedia, este papel é desempenhado pela localidade de Passo do Verde, na parte sul de Santa Maria.  Não dá para passar batido pelo fato de que a centralidade geográfica da cidade impulsionou duas de suas maiores realizações sócio-econômicas: sediar a Diretoria da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil e a primeira universidade pública federal do interior do Brasil, a briosa UFSM.  Todavia, não é sobre o estrondoso impacto dessas façanhas – essas sim, servindo de modelo a toda terra – que desejo falar com a pompa e circunstância que merecem. Pelo menos não hoje. Mas posso oferecer um aperitivo. Dei pistas do anúncio de um grande feito alguns parágrafos acima. Vai aqui um spoiler: os sítios paleontológicos nas cercanias de Santa Maria reservam vestígios de alguns dos dinossauros mais antigos do mundo e configuram verdadeiros laboratórios a céu aberto para os cientistas do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da UFSM (CAPPA).  Mas o que diabos esse papo sobre dinossauros está fazendo no meio da nossa conversa? Calma, estes bichos estavam enterrados por aqui durante centenas de milhões de anos. Esperem um pouco que a menção fará sentido. Ou pelo menos assim eu espero.      Se meus eventuais leitores […]

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Eduardo Vicentini de Medeiros Em março do corrente ano me mudei, levando malas e nenhuma cuia, para Santa Maria, o tal “coração do Rio Grande do Sul”. De largada, devo confessar que não nutro simpatia por essa exaurida metáfora anatômica.  Prezo as bem marcadas diferenças entre os corpos naturais, orgânicos, e os ditos corpos sociais, artificiais. A existência dos últimos é dependente da comezinha articulação provisória das vontades e intenções dos membros que os compõem. Assim é com matrimônios, empresas, cidades ou parlamentos. Já a existência dos primeiros depende do insondável Big Bang, complexos processos de seleção natural e outros enigmas, mais ou menos teleológicos. Assim é com bactérias, primatas, samambaias ou galáxias.  Analogias, metáforas ou sinédoques, que mesclam propriedades de corpos naturais e sociais, acabam apresentando à imaginação alguma variedade de círculo quadrado. Se insistirem em me vender essa metáfora cardíaca, seria quase uma irresponsabilidade não reconhecer que os seus batimentos andam em baixa, literalmente e simbolicamente. Apresentam-se quase inaudíveis, operando no limiar inferior do estetoscópio.  No entanto, este texto não pretende ser um amontoado de lamúrias e chorumelas sobre a anatomia do buraco regional em que estamos metidos. Quero dar notícia de um grande feito. E de seus efeitos na minha compreensão do que significa habitar o meio do mapa do Rio Grande do Sul. Ou, dado que filósofos amam a generalidade, do que significa habitar o meio de qualquer mapa. Sendo assim, deixemos de lado por um momento a simulação temerária de que o Rio Grande do Sul tenha um coração, ou pelo menos um que ainda pulse sadio, e vamos aos fatos. O que parece inequívoco é que o Rio Grande do Sul possui um centro, um centro geográfico, um meio do mapa. Não sou cartógrafo ou topógrafo, mas fiando-me na Wikipedia, este papel é desempenhado pela localidade de Passo do Verde, na parte sul de Santa Maria.  Não dá para passar batido pelo fato de que a centralidade geográfica da cidade impulsionou duas de suas maiores realizações sócio-econômicas: sediar a Diretoria da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au Brésil e a primeira universidade pública federal do interior do Brasil, a briosa UFSM.  Todavia, não é sobre o estrondoso impacto dessas façanhas – essas sim, servindo de modelo a toda terra – que desejo falar com a pompa e circunstância que merecem. Pelo menos não hoje. Mas posso oferecer um aperitivo. Dei pistas do anúncio de um grande feito alguns parágrafos acima. Vai aqui um spoiler: os sítios paleontológicos nas cercanias de Santa Maria reservam vestígios de alguns dos dinossauros mais antigos do mundo e configuram verdadeiros laboratórios a céu aberto para os cientistas do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia da UFSM (CAPPA).  Mas o que diabos esse papo sobre dinossauros está fazendo no meio da nossa conversa? Calma, estes bichos estavam enterrados por aqui durante centenas de milhões de anos. Esperem um pouco que a menção fará sentido. Ou pelo menos assim eu espero.      Se meus eventuais leitores […]

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