Em uma manhã gelada de inverno, em 2013, saio apressado da cozinha do Casarão, na Comuna do Arvoredo, em direção à CazaAzul, atrás de café, e cruzo por minha amiga Alissa, que interrompe minha marcha e, muito naturalmente, me avisa: – Se for cruzar pela sala, passa com cuidado, porque o Belchior e a companheira dele estão dormindo lá. Eu já havia ouvido falar que Belchior havia sido visto circulando pela capital, mas ele ter vindo para a Comuna me parecia muito inverossímil. – Que Belchior, Alissa? – O cantor Belchior e Edna, a sua companheira, que eu e o Fê encontramos na Cidade Baixa e convidamos para virem até aqui com a gente. Uau. Que grande loucura, fiquei pensando, Belchior aqui na Comuna! A notícia instantaneamente se espalhou pela Comuna e em poucos minutos estávamos todos nós, os moradores da Comuna, lá na CasaAzul, esperando o casal despertar. Tentamos, obviamente, parecer naturais e até mesmo formais, no momento em que todos nos apresentamos, mas ao vê-lo e tê-lo, ali conosco, Belchior, absolutamente reconhecível e nítido, isso sim era algo realmente inimaginável. Foi uma experiência de aproximação inicial encantadora. Era contagiante a simpatia do casal. Belchior cumprimentava a cada um com grande respeito e atenção! Estávamos todos nós, os moradores da Comuna do Arvoredo, lá, na cozinha da CasaAzul. Sabíamos quem ele era e ele sabia que nós sabíamos disso. Já era sabido por todos nós que, havia alguns anos, Belchior vinha sendo sistematicamente exposto a calúnias e difamação por parte da “grande mídia”, mentirosa, perseguidora e sensacionalista! Naquela mesma manhã, convidamos formalmente o casal pra passar alguns dias com a gente, para descansarem e se afastarem um pouco dos olhares inquisidores das pessoas na rua. Como minha namorada vivia também na Comuna, ofereci a eles meu quarto no Casarão, para que se sentissem mais à vontade, e fui passar uns dias no quarto dela, o que foi maravilhoso. A presença de Belchior e de Edna em nossa Comunidade foi, naquele momento, uma espécie de catalisador, dando uma liga geral em todas as nossas relações, pois, como queríamos estar perto de nosso recém-chegado hóspede ilustre, acabávamos ficando quase todos, vinte pessoas, o tempo todo juntos. Inverno rigoroso, fogão a lenha e muitas comidas quentes, regadas com vinho e conversas divertidíssimas nas noites frias da Comuna do Arvoredo. Para mim, o mais surpreendente no contato com Belchior foi a quantidade e diversidade dos temas que discutia, desde conceitos estéticos barrocos, passando pela física experimental, teatro, cinema, até às culminâncias espirituais do zen-budismo. Além, é claro, de seus relatos, em primeira mão, de contatos pessoais com Gil, Caetano, Milton, Elis… Bob Dylan, John Lennon, Yoko! Uma verdadeira constelação de personalidades. Conversamos muito, também, eu e ele, sobre música, horas a fio. Cantores, compositores, gêneros, instrumentistas, imersão total. Apesar de toda a alegria e o carinho que compartilhávamos naquele momento, havia nítido certo sentimento de desconforto em Edna e Belchior em relação à situação em que se encontravam, como que fugitivos, clandestinos em […]
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