Operação Falero

Nos aproximar como irmãos

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Nos aproximar como irmãos

Uma das primeiras recomendações em qualquer curso de escrita é anotar tudo, nunca confiar na memória. Nunca. Levante da cama de noite para anotar. Leve o celular ou o caderno de notas sempre com você, nunca se sabe quando a palavra, a frase, o parágrafo nascerá. No entanto, às vezes, anotar não é suficiente, você precisa fotografar e conviver com imagem. Mais: você aprende que não é possível forçar a imagem a falar. As palavras que sustentam dependem da intimidade, acontecem no tempo que se deposita sobre o passado. E essa escrita, na maioria, vem bem depois, junto com consciência do quanto a poesia daquele momento continua reverberando em você.

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Uma das primeiras recomendações em qualquer curso de escrita é anotar tudo, nunca confiar na memória. Nunca. Levante da cama de noite para anotar. Leve o celular ou o caderno de notas sempre com você, nunca se sabe quando a palavra, a frase, o parágrafo nascerá. No entanto, às vezes, anotar não é suficiente, você precisa fotografar e conviver com imagem. Mais: você aprende que não é possível forçar a imagem a falar. As palavras que sustentam dependem da intimidade, acontecem no tempo que se deposita sobre o passado. E essa escrita, na maioria, vem bem depois, junto com consciência do quanto a poesia daquele momento continua reverberando em você.



Comecei a escrever este texto pensando numa fotografia feita em dezembro de 2018. Momento guardado entre muitos na nuvem acessória da memória. Nesta foto há um homem adulto sentado sobre um puff quadrado azul e laranja. Em suas mãos está o livro aberto. Em volta deste homem, na quadra da Unidos da Vila Mapa, Lomba do Pinheiro, está se organizando a festa. Crianças gritam e correm. Adultos também gritam e correm. Na copa, o senhor sorridente organiza os salgadinhos, o refri, a ceva. Alguém pergunta: todos os convidados já chegaram? A menina de tranças nos olha e recomenda: fiquem à vontade, podem sentar. Tudo tem que estar pronto, já está quase na hora. Há orgulho de que a primeira Festa Literária da Periferia seja sucesso. Há beleza em tudo o que vemos, nós que chegamos cedo, neste lugar em que se faz em cultura, gentileza, bem receber, brilho no olhar. 

No ano anterior, Conceição Evaristo havia escrito: “As palavras literárias podem nos aproximar como irmãos”. E ali, frente a nossos olhos, no encontro com a Literatura, um irmão recebe as palavras de outro irmão. Hoje escrevendo este texto precisei rever a foto: aquele leitor, parte da organização da festa, imerso no reino das palavras. Lembrei dos minutos que antecederam o registro, da alegria que expressou ao receber o exemplar do primeiro livro, coletânea, das mãos de José Falero. A poesia do encontro, palavras e corpos sem máscaras, em comunhão.     O brilho de uma pessoa não está apenas no que ela é, também participa das suas realizações de coração atento. Sankofa: olhar pra trás, à vida que nos precede e atravessa. Nossos olhos pequeninos, mesmo quando se fecham, mesmo quando se apertam, mesmo quando se inundam de beleza e lágrimas, se encontram no trajeto das palavras dos nossos. Assim sinto sempre que leio José Falero. A sua humanidade nos atravessa. Nos faz leitores, nos aproxima, supre, como irmãos.

Agora, fim de 2020, quase dois anos depois daquela foto, pergunto-me o que sentiu aquele irmão ao ler Vila Sapo, primeira edição publicada pela Editora Popular Venas Abiertas no início de 2019. Livro que não só colocou José Falero e a Vila Sapo no mapa afetivo de grande parte do Brasil, mas também deu a conhecer aos leitores de fora da Vila Sapo um pouco da dignidade das pessoas que vivem ali. E o que pensará aquele irmão ao ler Os supridores, romance de José Falero, que a família já espera com alegria? 

E você já escreveu, fotografou ou leu José Falero hoje?


Tônio Caetano é filho de Virginia e Armindo, pai da Safira e dindo do Guga, da Sarah e do Ique. Cresceu correndo com os seis irmãos pelas lombas da Vila Vargas, periferia de Porto Alegre. É uma pessoa em busca da própria voz, do seu lugar na luta que cabe a cada um diante da realidade e de si. Integra as coletâneas Contos de Mochila, Minicontos de Amor e Morte e Planeta Fantástico, pela Editora Metamorfose (RS), e Ancestralidades: escritores negros, pela Editora Popular Venas Abiertas (BH). Em 2020, venceu o Prêmio SESC de Literatura, na categoria Contos, com o livro Terra nos cabelos. 

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