Operação Piglia

Anotações no apartamento de Piglia

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Anotações no apartamento de Piglia

Faz quase dois meses que estou aqui. Aqui é Buenos Aires, cidade onde nasci, e para onde voltei, por um tempo, enquanto a pandemia segue com força em Porto Alegre. Mas aqui é, principalmente, o apartamento de Ricardo Piglia.

Vim parar na casa de Piglia por conta de um grande amigo, de infância, o saxofonista de jazz Luis Nacht. Quando Luis voltou a Buenos Aires depois de 10 anos exilado no México durante a ditadura da Argentina, comprou o apartamento ao lado. E assim foram vizinhos, se tornaram grandes amigos e mesmo parceiros no belo álbum La incertidumbre. Estou aqui enquanto Martha, sua viúva, está na Espanha.

Os apartamentos são desses que chamamos “pehache”, de p.h., propriedade horizontal. É um tipo de construção muito comum em Buenos Aires, das casas chorizo – as propriedades ficam distribuídas em um corredor lateral comprido, uma depois da outra, como uma sequência de linguiça. E a do Piglia, sendo a última delas, fica no coração do quarteirão.

(Foto: Javier Balbinder)

Na noite em que cheguei, pedi ao Luis que me emprestasse um livro do Piglia, porque queria sentir com mais força esse ambiente. Tinha lido apenas o Plata quemada, que achei uma vez na casa da minha mãe. Luis me entregou O caminho de ida. No livro, o personagem Emilio Renzi é uma espécie de alter ego do escritor que, assim como ele, vai dar aula de literatura em Princeton. Lá, fica hospedado na casa de um professor que foi passar um ano na Alemanha. E então o livro conta como o personagem vive justo esse momento, de reconhecer o espaço, os objetos, os livros da biblioteca, se sentindo um voyeur na casa do professor. Um pouco como tenho me sentido aqui.


(Fotos: Javier Balbinder)

Às vezes, escuto meu amigo tocar, na casa ao lado. Sinto que de alguma maneira esse convívio de ambos influenciou quem Luis se tornou – algo a ver com o jazz do Luis, que não é portenho, e não tem nada a ver com tango. Dia desses, fizemos um dueto, eu no oboé, ele na flauta. Acho que seria uma boa música de fundo para ler Piglia.


Javier Andrés Balbinder nasceu em Buenos Aires e mora no Brasil desde 1977. Há 20 anos, é oboísta da OSPA, em Porto Alegre.

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