Palíndromo

Só Nós #3

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Só Nós #3

SOPITÁVEL ELEVA TIPOS.

O insopitável, todos sabem, é o que não se pode dominar. Ao contrário disso, tudo que é sopitável é possível dominar. É o caso do palíndromo, essa cobra flexível de duas cabeças: dá pra fazer o que quiser com esse ofídio vocabular. Porque, na palindromia, é permitido o uso e o abuso de soluções improvisadas para que se dê à luz um palíndromo. Quer dizer: embora os palíndromos existam há séculos, ainda não há regras para palindromar, os fundamentos surgem enquanto ocorrem as experimentações. E palindromar é quebrar a formalidade da gramática. Sem nenhum padrão estabelecido, resta apenas o que chamaríamos de meras classificações. E mesmo essas, ainda não há consenso coletivo em torno delas: até aqui, cada palindromista tem criado suas próprias nomeações para esta ou aquela forma de palíndromo. Daí a sutil variedade de tipos de palíndromos. Hoje vamos listar aqueles mais citados.

A rigor, palíndromo é qualquer série de unidades com simetria linear. Tudo depende de onde começa e onde termina a série, e do que a gente considera como unidade.

Palíndromo silábico. Por exemplo, acidência (um sinônimo pouco comum de casualidade, acaso) não parece um palíndromo: lido ao contrário, dá aicnêdica (sabe lá o que é isso). Mas tente dividir a palavra em sílabas: a-ci-dên-ci-a. Lendo as sílabas na ordem inversa, e não as letras, fica igual. Taí o palíndromo silábico. E esse conceito também pode ser aplicado e ampliado para uma série de palavras, como numa frase. No palíndromo a seguir, releia todas as sílabas de trás pra diante:

Lá é briga: Amado doma a Gabriela. (Palíndromo do Giba)

Palíndromo vocabular.
Se tem palíndromo silábico, por que não expandir a fronteira? Nesse caso, a unidade considerada é a palavra. E, na verdade, a literatura já produziu alguns desses há séculos.

Dentro Dumas: 

Um por todos e todos por um. (Palíndromo e lema de Os Três Mosqueteiros)

Palíndromo circular.
Pode ser simplesmente uma apresentação gráfica de um palíndromo comum. Porque qualquer palíndromo “linear” pode ser colocado em forma de círculo sem perder a sua característica principal: ter leituras iguais para um lado ou para o outro. Mas “palíndromo circular” também pode ser um recurso esperto para preencher a falta de uma ou mais letras na frase palindrômica. Por exemplo:

Aí vagalume emula gavião.

Frase interessante, só que não é um palíndromo. Mas se a gente colocar um O no início, fica assim:

-o aí vagalume emula gavião

Aí é palíndromo, mas a frase perdeu o sentido e a graça. É o que a gente pode chamar de “palíndromo incompleto”, ou “quase palíndromo”.

Mas tira o O de novo e forma um círculo: temos aí um palíndromo circular? Quem quiser que assim nomeie. Mas continua parecendo um palíndromo incompleto.




Palíndromo Fonético.
Para nós, esse é mais discutível; nele seria aceitável a equivalência de letras diferentes mas de som semelhante:

Acena, Vanessa.

Os defensores do palíndromo fonético alegam que as regras de formação da frase palindrômica já fazem concessões à assimetria. E têm razão:

Ave! A maçã na cama, Eva?

A frase acima só é considerada um palíndromo porque a lemos assim:

AVEAMACANACAMAEVA

Ou seja, não levamos em consideração os espaços entre as palavras, os sinais de pontuação, os acentos, os diacríticos e mesmo a diferença entre letras maiúsculas e minúsculas. Mas todas essas concessões permanecem no campo da escrita, espaço onde os palíndromos nascem e se reproduzem.

Talvez a gente esteja sendo um pouco purista. Mas é que tudo tem limite: não venha colocar chutney de raspberry no nosso churrasco!

Outros gêneros de palíndromos

Palíndromos na Matemática. Um número palíndromo, como 171, 2002 ou 1234321, também pode ser chamado de capicua, nome que vem do catalão cap i cua (“cabeça e rabo”).  A diferença é que ninguém se preocupa em encontrar sentido num capicua, porque, ao contrário das letras, qualquer combinação de algarismos resulta num número que existe – e em qualquer língua! Palíndromos numéricos não precisam ser construídos, mas eles às vezes são encontrados – numa placa de carro, num telefone, num CPF, etc. Alguns acham que dá sorte, outros simplesmente registram a simetria.


(Foi a última data palindrômica do século, a próxima só em 21/12/2112)


Datas palíndromas. Uma data pode ser palíndroma, desde que sua sequência de dígitos seja simétrica, não levando em conta os sinais de separação. Mas, como existem vários sistemas de notação, a palindromia de uma data é também relativa. A notação mais usada no Brasil, por exemplo, é a DD/MM/AAAA, ou seja: dois dígitos para o dia, dois para o mês e quatro para o ano, nesta ordem. Neste sistema, um lindo exemplo foi o mais recente aniversário da Débora Falabella, o palíndromo: 22/02/2022.

Palíndromos na Música. Um palíndromo musical é aquela composição ou trecho de composição com duas metades complementares, que resultam numa peça: a composição avança até um ponto e dali as notas retornam, inversamente. Muitas vezes, como Bach e Mozart fizeram, as partes ida e volta, são tocadas simultaneamente. O efeito, para ser melhor apreciado, exige ouvidos atentos.

Essa atração pela repetição das notas, pelo vaivém melódico, atraiu inúmeros outros compositores de música clássica.

Palíndromo na Medicina.
Recidiva é o sinônimo de palíndromo usado na clínica médica. É aplicado nos casos de reincidência de certas doenças, sobretudo cânceres. É duro saber que um palíndromo pode fazer sofrer.

Palíndromos na Biologia. Incrível, a gente nasce envolvido com palíndromo, você sabia? Em genética molecular, existem estudos sobre sequências palindrômicas de DNA, inclusive sobre a possibilidade de elas aumentarem a tendência a determinadas doenças.


(A seguir, novas seleções temáticas dos palindromistas de plantão na Parêntese)


6 Palíndromos Musicais do Fraga

AFIM É. RODE-SE: NADA ORTODOXO O TANGO.
COMO COGNATO, O XODÓ TROA: DANE-SE DÓ-RÉ-MI-FÁ.
(Inspirado em Astor Piazzolla, 1921-1992, estupendo compositor e bandeonista argentino) Arte: do meu amigo Solda


Ó, PAZ A JOHN, O SÓ. O SONHO JAZ A PÓ.
(Inspirado em John Lennon, publicado pela
1ª vez em página do Pasquim em julho/1986)

DA BELEZA, RUI. É FÃ? A FEIURA ZELE. BAD.
(Inspirado em Michael Jackson, 1958-2009, o rei do pop)


É NEGRA PÉROLA. VALOR É PAR: GENE.
(Inspirado no incomparável Luiz Melodia,
1951-2017, músico e cantor brasileiro)

RARO, A MISSÃO: ORO. CELOS E OBOÉ,
SOL E CORO. Ó! ASSIM A ORAR.
(Inspirado em Ennio Morricone, 1928-2020,
autor de memoráveis 528 trilhas sonoras)

RS AO BARBOSA LESSA: O BALAIO?
FOI A LÃ? BOAS SELAS? OBRA BOA, SR. 
(Inspirado em Luis Carlos Barbosa Lessa,
1929-2002, escritor e compositor gaúcho)


5 Palíndromos Musicais do Giba

O naipe de sopro pede mesa,
seca-a, leva e traz o mar de pano.
Na pedra, Mozart é a vela acesa:
se mede por pose de piano.


É de Mahler, o autor:
“Eu quero tua orelha, me dê!”

Aí, se o pararmos,
a câmara detona-te a cor.
Em seu esmero,
Caetano te dará maçã,
som, rara poesia.

Aí é diesel, tá? É Beatles, é ideia!

E ela tira daí a saia da Rita Lee.


(No próximo sábado, a edição #4: palíndromos poliglotas. E mais outra seleção de palíndromos temáticos do Fraga e Giba)

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