Parêntese | Reportagem

Porto Alegre com gripe espanhola: ruas vazias, enterros sem velório e canja de galinha

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Porto Alegre com gripe espanhola: ruas vazias, enterros sem velório e canja de galinha Correio do Povo em 1918 saía com espaços em branco em vez das notícias sobre a gripe espanhola. Foto: Maurício Brum/Reproduzido com autorização do MUHM
Por Maurício Brum Em fins de 1918, Porto Alegre inteira parou. Locais públicos passaram a ter a circulação restrita, restaurantes, cassinos e cinemas fecharam temporariamente as portas, e até mesmo os velórios deixaram de ser realizados, tamanho o medo da contaminação. Escolas não só suspenderam as aulas como foram, enquanto durou a crise, convertidas em “hospitais” improvisados, prontas para receber os doentes ou aqueles com suspeita de terem sido atingidos pelo novo vírus. As mortes se acumulavam, a rotina se alterava radicalmente, e nem mesmo os que tentavam recorrer aos prazeres mundanos conseguiram usá-los para esquecer a calamidade, pois até os cabarés anunciaram que passariam algum tempo sem receber clientes, esperando dias melhores – e menos infecciosos.   Há 102 anos, Porto Alegre entrou em cheio no mapa da primeira grande epidemia global, que envelopou todos os continentes quase simultaneamente e se tornou a mais letal do século 20: foram os tempos da gripe espanhola. Em uma época em que a Capital mal superava os 190 mil habitantes, a então Diretoria de Higiene, que lidava com as questões sanitárias da cidade, estimava que pelo menos 70 mil pessoas haviam caído enfermas pela nova gripe em apenas três meses. Oficialmente, Porto Alegre registrou 1.316 mortes pela epidemia, mas tanto autoridades da época quanto historiadores nas décadas seguintes desconfiaram que o número estivesse subestimado.   Acompanhando o mundo, a cidade viveu uma de suas piores tragédias humanas. Mas tão rapidamente quanto havia surgido, a gripe espanhola, de repente, já não era uma ameaça. Os casos foram rareando e, um ano depois, aquele temor que mudou tantos hábitos já parecia uma história antiga. Algo que deixou toda a gente atordoada diante da falta de explicações, mas que não assustava mais. Desde então, cada notícia de que um vírus misterioso surgiu em outra parte do mundo, porém, aquelas memórias, conservadas nos relatos dos avós e nos livros de História, parecem voltar. Em 2009, outra variante do influenza A H1N1, descendente daquele de 1918, assustou o mundo. Em 2020, é o coronavírus que ocupa o posto de próximo candidato a causar uma pandemia global, com viajantes vindos da China sendo colocados em quarentena e cada suspeita relatada por estas bandas levantando alertas máximos.   Mas é certo: a mortandade avassaladora da Hespanhola, como dizia a grafia da época, ainda não encontrou equivalente em nenhuma das crises posteriores. Em Porto Alegre, a infecção deixou cicatrizes profundas, lições para as gerações seguintes e um legado traumático que ajudou a transformar a forma como a saúde pública passou a ser encarada, tanto na Capital quanto no restante do Brasil.   Uma origem melindrosa   Se hoje é possível localizar o local de origem de uma epidemia em potencial em pouco tempo, levando até mesmo ao isolamento de uma região inteira, como os chineses fizeram com Wuhan – o epicentro do coronavírus –, em 1918 a situação era bastante diferente. O mundo vivia um era de transformações, com comunicações que se tornavam mais rápidas, transportes que conectavam nações longínquas […]

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