Prefeito da semana

Loureiro da Silva, o Reformador Visionário (parte 2)

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Loureiro da Silva, o Reformador Visionário (parte 2) José Loureiro da Silva. Foto: Reprodução

28º Prefeito
Nome: José Loureiro da Silva
Partido: Partido Democrata Cristão (PDC)
Período que governou: 01/01/1960 a 01/01/1964
(Loureiro já havia sido o 11º Prefeito entre 1937 e 1943)

Ninguém, na história de Porto Alegre, governou a cidade em dois momentos tão distantes como Loureiro da Silva. A trajetória da Capital registra casos de prefeitos que saíram e voltaram pouco tempo depois, como havia ocorrido com Ildo Meneghetti entre 1951 e 1952, e há outros, muito mais frequentes, que deixaram o Paço para não voltar jamais. Loureiro foi único na longevidade a espaçar seus dois períodos no cargo: ele havia deixado o comando de Porto Alegre em setembro de 1943. No primeiro dia de 1960, mais de 16 anos depois, estava de volta.

O retorno triunfal de Loureiro, já reconhecido como um transformador da cara da Capital pelas grandes reformas executadas em sua primeira gestão, tinha um bocado de desafio aos governos recentes – mas também nascia de uma frustração. Porque, a bem da verdade, Loureiro não queria ser novamente prefeito: viu-se obrigado a trilhar outra vez o caminho que já conhecia após ver o PTB fechar as portas para o seu grande sonho – virar governador. Os trabalhistas estavam cada vez mais investidos na juventude de Leonel Brizola e dos nomes que o apoiavam, reduzindo a proeminência de lideranças importantes do passado, como o próprio Loureiro, que acabou mandado embora do partido.

O resultado da meteórica ascensão de Brizola e seu modo de ver o mundo foi um racha que, para muitos, já havia custado a própria eleição municipal disputada em 1959. Loureiro venceu contra um PTB onde as trocas de acusações e dedos em riste haviam se tornado comuns e, uma vez de volta à Prefeitura, contribuiria para minar um pouco mais qualquer avanço do partido. Se os trabalhistas “originais” foram a sigla que mais cresceu no Brasil nas duas décadas entre as ditaduras (o fim do Estado Novo em 1945 e o Golpe de 1964), esses dias agora pareciam contados.

Uma “estabilidade instável”

Já no discurso de posse, historicamente uma formalidade sem grandes percalços, Loureiro causou espanto ao denunciar os supostos planos do PTB para arruinar seu nascente governo. “Fui prevenido de que seria tratado como inimigo e minha administração desmantelada em seis meses”, bradou o veterano político em sua primeira fala aos vereadores. Em seguida, emendou: “mas esta Câmara tem deveres fundamentais para cumprir com o seu povo, que é o supremo julgador”.

As reações, como seria de se esperar, foram imediatas. Injuriado, o PTB se manifestou: o vereador Alberto André dizia que Loureiro estava “vendo fantasmas” e que “somente a ética parlamentar e o protocolo de uma sessão solene fizeram com que pudesse ser ouvido sem a reação que se fazia impor”. Já Brizola, ainda governador do Estado, afirmou ter cansado de ouvir “impropérios” em silêncio: exigiu que Loureiro parasse de reclamar, pois “em 1956 encontrei em muito pior estado a Prefeitura”. Fiel ao seu estilo de não levar desaforo para casa, Brizola garantiu: de Loureiro, “não reconheço autoridade moral para julgar quem quer que seja”.

Com um começo tão tortuoso e as turbulências que marcavam a vida política de um Brasil que caminhava para um novo golpe de Estado, é de surpreender que Loureiro tenha concluído seu mandato no tempo correto, sem interrupções ou extensões. De fato, desde que José Montaury deixara a Prefeitura (ainda chamada “Intendência”) em 1924, nenhum governo de Porto Alegre havia sido eleito democraticamente e cumprido o tempo certo de mandato: houve quem morresse no cargo, como Otávio Rocha; outros tiveram o mandato prolongado por fatores externos, como Alberto Bins; durante o Estado Novo, houve uma série de prefeitos nomeados, sem passar por eleições (incluindo o próprio Loureiro) e mandatos-tampão. Quando a democracia voltou, os dois primeiros prefeitos eleitos, Meneghetti e Brizola, deixaram o cargo na metade para se converterem em governadores.

Loureiro, não: governou pelos quatro anos previstos em lei, e talvez essa inesperada estabilidade no poder, mesmo quando todo o resto se provava instável, tenha permitido que seu novo mandato tenha sido, outra vez, marcado por avanços notáveis no cotidiano dos porto-alegrenses. Utilizando a venda de terrenos na área aterrada da Avenida Beira-Rio para fazer caixa e uma controversa reorganização do funcionalismo municipal (criticada durante todo o seu mandato pela constante ameaça de demissões em massa), conseguiu reequilibrar as apertadas contas da cidade. Não sem custos: ao enfrentar uma nova greve dos transportes em 1961, acelerou o processo de aposentadoria dos bondes e substituição por ônibus, um passo decisivo para uma Porto Alegre cada vez mais voltada ao transporte rodoviário.

A gestão Loureiro da Silva também destinou recursos à construção de canteiros centrais na Avenida Farrapos, que ele próprio havia inaugurado em seu primeiro governo, além de verbas para a ampliação da Sertório e da Ipiranga, e a abertura de um viaduto sobre a Avenida Salgado Filho. O viaduto, que só sairia do papel mesmo em 1970 e provocou críticas (minimizadas naquele momento pela censura que passaria a vigorar sobre a imprensa) por destruir prédios históricos e “cobrir” praças pelo caminho, acabaria levando o nome do próprio Loureiro.

Mas resumir o governo a obras de transportes não é totalmente justo. Enquanto Porto Alegre seguia crescendo rapidamente (a cidade passou de 272 mil para 635 mil habitantes nos anos que separaram as duas administrações de Loureiro) e exigindo soluções para abarcar toda a população, o prefeito também pensou em opções de lazer e ajudou a dar à cidade a fama de capital arborizada que se fortaleceria nas décadas seguintes.

Mais de 30 parques foram abertos ao redor de Porto Alegre, o governo barrou qualquer plano da UFRGS de ampliar seu campus sobre a Redenção, que receberia o novo Auditório Araújo Vianna (inaugurado em março de 1964, pouco após o fim do mandato de Loureiro, segue lá ainda hoje), e também firmou as bases para o que viria a ser o Parcão, assinando em 1962 a desapropriação da área do antigo prado, agora que o Jockey Club havia se mudado para o bairro Cristal. O parque, já nomeado oficialmente Moinhos de Vento, seria inaugurado em 1972.

O jogo político

Mas as disputas que haviam provocado o racha entre Loureiro e o PTB seriam, também, uma das marcas dos seus anos na Prefeitura. As idas do mandatário ao interior do Estado para falar com os dissidentes do trabalhismo e formar uma aliança paralela foram frequentes às vésperas das eleições que ocorreram durante seus dias no cargo, a começar pelas presidenciais de 1960. Na ocasião, os descontentes propuseram o nome de Fernando Ferrari para a vice-presidência da República, como um nome que pudesse derrotar João Goulart – na época, vale lembrar, votava-se separadamente para os cargos de titular e vice do Executivo (Jango, que já havia sido vice no governo de Juscelino Kubitscheck, tentava a reeleição).

Esse grupo paralelo, que ganhou o nome de Movimento Trabalhista Renovador (MTR), não chegou a ter grande sucesso em suas próprias empreitadas, mas seria eficiente em comprovar a cisão existente no PTB e acabar com as chances do velho partido no futuro imediato. Apoiado por Loureiro, Ferrari não impediu a vitória de Jango, mas em 1962 voltou a se lançar, agora para o governo do Estado. Desta vez, o estrago seria grande: naquele ano, as duas vertentes trabalhistas (Egídio Michaelsen pelo PTB; o próprio Ferrari pelo MTR) fizeram, juntas, quase 800 mil votos. Ildo Meneghetti fez pouco mais de 500 mil. Mas, como os votos dos opositores se dividiram, seria Meneghetti quem voltaria ao Piratini.

Dentro de Porto Alegre, o PTB ainda teria uma curtíssima sobrevida, elegendo Sereno Chaise para suceder Loureiro. Mas, aí, a violenta ventania da política nacional logo viria para atropelar a todos. Chaise seria um dos vários políticos apartados de imediato pelo Golpe, que começou em Jango e afetou todos os níveis. Já Loureiro, tão ativo em um jogo político que deixava de existir com a nascente ditadura, não viveria muito mais para ver o desenrolar da história: em 3 de junho de 1964, cinco meses após deixar o cargo e dois meses após o Golpe, um AVC vitimou o ex-prefeito da Capital em plena Rua da Praia. Aos 62 anos, um personagem inescapável da história de Porto Alegre dava seu adeus no coração da cidade.

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