Parêntese | Resenha

Quem Segura o Fundo ao Poço?

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Quem Segura o Fundo ao Poço? Resenha de Gonçalo Ferraz. O Assassino de Catarina Eufémia. Por Pedro Prostes da Fonseca, Matéria-Prima Edições, Lisboa, 2015. 216 pp. No trabalho jornalístico O Assassino de Catarina Eufémia,  Pedro Prostes da Fonseca relata e documenta cuidadosamente o assassinato de uma camponesa e a ação subsequente do estado português para impedir que se fizesse justiça. Catarina Eufémia foi morta pelo Tenente Tomás Carrajola, da Guarda Nacional Republicana, com três tiros nas costas, quando tentava convencer um grupo de ceifeiras a não romper uma greve. Na síntese feita pelo autor: “Naquela manhã de 19 de maio de 1954, nos trigais do Alentejo, deu-se um confronto entre duas posições inconciliáveis. De um lado, a extrema autoridade; do outro, a total insubmissão. Desse encontro explosivo, um homem matou por se exceder na missão de manter a ordem. E uma mulher morreu por dar força a quem desafiava essa ordem.” Ficam duas ideias fortes da leitura do livro. A primeira é que realmente se passava fome em Portugal nos anos 50. O livro conta, por exemplo, como um grupo de camponeses de Baleizão, após passar dias pedindo trabalho às autoridades locais, acabou por decidir matar a fome caçando perdizes fora da época de caça. Prontamente as autoridades enviaram um grupo armado para intimidar os camponeses e obrigá-los a devolver as perdizes. Essa fome foi resultante do mau governo do Estado Novo e causou a debandada migratória que esvaziou grande parte da economia e da cultura do interior do país até hoje. Os portugueses não migraram porque sempre foram um povo aventureiro; os portugueses migraram porque tinham fome e falta de oportunidades dignas para matar a fome em casa. Se existe algum paralelo entre a emigração portuguesa da segunda metade do século XX e as navegações dos séculos XV e XVI, então, precisamos entender melhor quais misérias levaram os marinheiros a abandonar as suas terras e famílias para se entregar a uma morte quase certa no mar. Os portugueses não são exceção à regra geral de que “quem está bem não se muda”. A segunda ideia é que a hipocrisia e a intimidação são formas de violência tremendamente comuns e eficazes. O livro de Pedro Prostes mostra como a violência na história de Catarina Eufémia foi muito além dos três tiros nas costas da mulher. A violência estendeu-se a uma teia de mentiras e covardias perpetradas por indivíduos e instituições com plenos poderes para agir de uma forma mais humana e que, após o crime, resultaram na absolvição do assassino. Desde o enterro sigiloso da camponesa, fora da sua terra natal, até aos elogios oficiais do comportamento exemplar do Tenente Carrajola, fica claro como um estado repressor agiu com a colaboração espontânea de indivíduos prontos a oferecer a sua omissão, a sua influência, ou a  sua iniciativa para atingir um desfecho injusto que protegia os seus interesses. A fraqueza é uma parte inevitável do ser humano, mas será que ela é igual para todos os povos e situações? Quanto da injustiça do mundo resulta da eficácia […]

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Resenha de Gonçalo Ferraz. O Assassino de Catarina Eufémia. Por Pedro Prostes da Fonseca, Matéria-Prima Edições, Lisboa, 2015. 216 pp. No trabalho jornalístico O Assassino de Catarina Eufémia,  Pedro Prostes da Fonseca relata e documenta cuidadosamente o assassinato de uma camponesa e a ação subsequente do estado português para impedir que se fizesse justiça. Catarina Eufémia foi morta pelo Tenente Tomás Carrajola, da Guarda Nacional Republicana, com três tiros nas costas, quando tentava convencer um grupo de ceifeiras a não romper uma greve. Na síntese feita pelo autor: “Naquela manhã de 19 de maio de 1954, nos trigais do Alentejo, deu-se um confronto entre duas posições inconciliáveis. De um lado, a extrema autoridade; do outro, a total insubmissão. Desse encontro explosivo, um homem matou por se exceder na missão de manter a ordem. E uma mulher morreu por dar força a quem desafiava essa ordem.” Ficam duas ideias fortes da leitura do livro. A primeira é que realmente se passava fome em Portugal nos anos 50. O livro conta, por exemplo, como um grupo de camponeses de Baleizão, após passar dias pedindo trabalho às autoridades locais, acabou por decidir matar a fome caçando perdizes fora da época de caça. Prontamente as autoridades enviaram um grupo armado para intimidar os camponeses e obrigá-los a devolver as perdizes. Essa fome foi resultante do mau governo do Estado Novo e causou a debandada migratória que esvaziou grande parte da economia e da cultura do interior do país até hoje. Os portugueses não migraram porque sempre foram um povo aventureiro; os portugueses migraram porque tinham fome e falta de oportunidades dignas para matar a fome em casa. Se existe algum paralelo entre a emigração portuguesa da segunda metade do século XX e as navegações dos séculos XV e XVI, então, precisamos entender melhor quais misérias levaram os marinheiros a abandonar as suas terras e famílias para se entregar a uma morte quase certa no mar. Os portugueses não são exceção à regra geral de que “quem está bem não se muda”. A segunda ideia é que a hipocrisia e a intimidação são formas de violência tremendamente comuns e eficazes. O livro de Pedro Prostes mostra como a violência na história de Catarina Eufémia foi muito além dos três tiros nas costas da mulher. A violência estendeu-se a uma teia de mentiras e covardias perpetradas por indivíduos e instituições com plenos poderes para agir de uma forma mais humana e que, após o crime, resultaram na absolvição do assassino. Desde o enterro sigiloso da camponesa, fora da sua terra natal, até aos elogios oficiais do comportamento exemplar do Tenente Carrajola, fica claro como um estado repressor agiu com a colaboração espontânea de indivíduos prontos a oferecer a sua omissão, a sua influência, ou a  sua iniciativa para atingir um desfecho injusto que protegia os seus interesses. A fraqueza é uma parte inevitável do ser humano, mas será que ela é igual para todos os povos e situações? Quanto da injustiça do mundo resulta da eficácia […]

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