Parêntese #86: A criança e a água suja
Não precisa ser setembro ou data redonda de alguma festa tradicionalista para a gente abrir um Parêntese para o tema da cultura gaúcha. O assunto é vivo, atuante, meio enigmático e, se não bastasse, já ocupou mentes de primeira grandeza como, sem ir mais longe, Jorge Luis Borges, aquele portenho que merece a cidadania honorária cá no Rio Grande do Sul.
Certo, a mesma matéria-prima que está nas entranhas da melhor literatura está também na armação de coisas triviais, meramente saudosistas de um passado imaginado ou agressivamente reacionárias contra a novidade. Mas não é porque existem contrafações e malversações, digamos, da Bossa Nova, que ela deixa de ser um grande momento brasileiro e uma grande forma artística mundial.
Impugnar Simões Lopes Neto, que escreve no dialeto gauchesco, por existirem poetastros (nunca imaginei precisar dessa palavra, juro, mas ela cabe bem aqui: poetastro é “mau poeta”) de sobremesa dominical é jogar fora a criança junto com a água suja do banho.
Mas a confusão existe. Para um provinciano, o assunto pode parecer menor; mas para uma mente aberta ele revela coisas sublimes, como o leitor poderá ver na entrevista com Colmar Duarte e no ensaio de Demétrio Xavier. Em escalas diferentes, os dois nos guiam pelos meandros das oposições simples (e insuficientes) entre cidade e campo, entre específico e geral, as quais não esgotam o assunto e podem mesmo enganar.
(Aproveitando: saiu agora o excelente livro da Ondina Fachel Leal, nossa entrevistada na edição 14. A editora Tomo Editorial oferece um serviço de primeira grandeza. Quer um palpite: não perca essa leitura.)
O ensaio de fotos frequenta tema que também parece banal: o por de sol em Porto Alegre. Mas quer ver como tudo tem mistério e beleza? Olha o trabalho do Pedro Belo Garcia e depois me diz.
Arnoldo Doberstein segue com sua encantadora maneira de fatiar a história das imagens da história na cidade, fazendo par com o novo e sempre excelente ensaio da Alice Dubina Trusz, especialista na história do cinema.
A reportagem feita pelo Poti Campos investe num ponto sensível, a preservação de acervos. Que destino lamentável tem tido, até aqui, o impressionante material acumulado pelo Hardy Vedana! Que lamentável precisar denunciar isso mais uma vez!
José Falero faz uma teoria social para mostrar a força do par Preguiça – Necessidade. E o Jandiro Koch conta por que valeu a pena esbravejar contra a Cláudia Laitano. Eduardo Veras comenta A boneca sou eu, mostra dedicada a Lia Menna Barreto
Finalmente, veja só: inauguramos hoje um novo folhetim. Depois da sentida história contada pelo Pieta Poeta, agora temos uma nova voz, com uma história ambientada em Belém do Pará: com vocês, José Artur Castilho!