Revista Parêntese

Parêntese 36: Acaso e determinação

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Parêntese 36: Acaso e determinação

Todo sistemático, em qualquer campo do saber ou do fazer, vai dizer que estrutura e condições objetivas definem quase tudo. Eu também digo isso.

Mas tem um lado Riobaldo que não dá pra negligenciar: o acaso também move o mundo. E se o jagunço mineiro tivesse cedido ao estranho encanto que lhe inspirava o companheiro Diadorim? Que parte da história teria sido diferente, dali por diante?

Nelson Rodrigues fazia até piada: um Jesus Cristo morto de sarampo aos 6 anos de idade não ia adiantar nada. Se o bastante secundário João Pessoa político não tivesse sido assassinado em 1930, Getúlio teria chegado ao poder e feito o que fez? 

Esta pergunta ocorre ao leitor que chegar ao texto de Luiz Antônio Araújo, que repassa os 90 anos da dita Revolução de 30 – e localiza lá, naquela lonjura, um caso forte de fake news! –, tão decisiva para tanta coisa em tantas partes, e para o estado sulino com particular força. Acaso no meio caminho, como uma pedra.

E ocorreu que o Arthur de Faria me contou meio por acaso que um amigo, Javier Balbinder, estava hospedado na casa em que viveu o escritor Ricardo Piglia (1941-2017), em Buenos Aires, e mandou de lá uma imagem. Eu fiz contato com o Javier, oboísta da OSPA, e se desencadeou uma torrente, não digo de emoções, mas de leituras. Pedi para a Karina Lucena um texto sobre a ficção do Piglia, que veio exemplar, e na mesma hora o Sérgio Karam, tradutor e estudioso das traduções entre Brasil e o Prata, apareceu para historiar as traduções dele ao português. 

Lembrei do Pedro Meira Monteiro, brasileiro que foi colega do Piglia em Princeton, lugar de trabalho dos dois. Pedi a ele um depoimento, que veio com outra foto, da casa em que o Piglia morava em Princeton. E tinha ainda uma ponta solta: a ligação do escritor argentino com a música – mais uma vez o saxofonista em recesso e autor de um sensacional Guia do jazz (L&PM) Sérgio Karam entrou em ação e quase não parou mais, porque também foi atrás dos nexos entre Piglia e o jazz. O Angelo Chemello Pereira e eu selecionamos frases interessantes de sua obra. Finalmente, botei também eu no papel impressões da leitura dos Diários, a última obra que o escritor pôde preparar. 

Tem um quê de fetiche nisso tudo? Tem, inegável. Mas é um gosto estalar os metafóricos dedos e armar essa rede de leituras. (E, bem, fetiche para escritor, ainda mais argentino, faz parte. Para leitores aguerridos também.)

Todo esse assunto do Piglia ocupa o lugar da costumeira entrevista, mas a seção volta na semana que vem. Ficamos hoje com a colorida história de Ovídio Chaves que tem aqui sua última parte, pela mão de Pedro Haase e Ricardo Chaves. Eduardo Vicentini de Medeiros traz a parte 4 de seu périplo pela visão de filósofos sobre o casamento – aqui, tio Locke encontra, acredite, o pagodeiro Dilsinho.

Cláudia Laitano visita um termo de grande futuro, para mal de todos nós, “antivax”. Nosso repórter visual Pablito conversa com a Lilian de Oliveira Luciano, que dá a real da vida cotidiana de quem não pode não trabalhar, na pandemia.

Jandiro Koch pensa sobre um movimento ideológico do nosso tempo, o cancelamento de J. K. Rowling, acusada de transfobia. Renato Dornelles conta uma quase inacreditável, uma situação em que ele precisaria conhecer o cpf do governador para poder fazer o teste da covid.

Lizete Dias de Oliveira relembra uma tentativa de cancelamento, quando a palavra ainda não se usava – era 94, final da Copa daquele ano, e Lizete estava com um amigo que nem ela sabia que era italiano de coração. Parece uma amenidade, mas toca em pontos sensíveis da vida atual. Tanto quanto Eduardo Vieira da Cunha, que conta uma história remota, envolvendo um quadro de Daumier encontrado em Porto Alegre, que retorna ao presente com um caso desses dias. 

As fotos de Angela Cristina Ribeiro dos Santos, @nega_angela_ no Instagram, fazem o que as melhores fotos sabem fazer: mostrar o que a gente não vê, neste caso pessoas como o prezado leitor e eu. Precisamos cada vez mais de atenção para ver o óbvio, que está se impondo, como aliás o texto do José Falero aponta e analisa. 

— Luís Augusto Fischer


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