Revista Parêntese

Parêntese #131: Um samba, que tal?

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Parêntese #131: Um samba, que tal? Foto: Adolfo Gerchmann

Eu abro o jornal, ainda sob o efeito acachapante do ignóbil assassinato de um indigenista e um jornalista, e leio, pasmo, outro jornalista se regozijando indiretamente com essas mortes, ao atacar o trabalho sublime que faz a FUNAI. Eu ouço no rádio a notícia da prisão de um pastor por cuja honra o atual presidente afirmou que poria sua cara no fogo. Eu vejo o noticioso na tevê e fico sabendo da posição destacada nas pesquisas de um candidato a governador que apoiou o governo negacionista em toda a linha.

Com os pés já na lama do fundo do poço, porém, eu recebo nas redes sociais um toque – ouvir o novo samba do Chico. Claro que o prezado leitor e a gentil leitora já ouviram, né? Se não, pare tudo e ouça aqui.  

Chico pergunta, a mão no nosso ombro imaginário: que tal um samba? Pra espantar o tempo feio, pra remediar o estrago. Um samba pra alegrar o dia, pra zerar o jogo. Tipo cair no mar, lavar a alma, tomar um banho de sal grosso – que tal?

A gente estava esquecendo da força da arte, da agregação, da solidariedade! 

O convite é irresistível, e a memória desata. E se de repente a gente não sentisse a dor que a gente finge e sente? E se de repente a gente distraísse o ferro do suplício? Já pensou que beleza? Uma vida sem o aguilhão cotidiano da opressão, da burrice, da truculência, do elogio à força bruta, dessa atmosfera turva que autoriza uma juíza a submeter uma criança de 11 anos a mais um estupro ao induzir a pobre a manter uma gravidez fruto da pura truculência, do puro horror. 

Chico pergunta, não para a juíza, mas para a menina e para nós, que não perdemos o coração: que tal um samba? Um samba lento, um samba porreta, depois de tanta mutreta, de tanta cascata, de tanta derrota, de tanta demência. Que tal puxar um samba? De novo com a coluna ereta, juntando os cacos para ir à luta. Temos um país para reorganizar.

O espantoso é que meio século atrás – sim, meio século, começo dos anos 1970 – o mesmo Chico tinha nos dado a mão consoladora por meio de outro samba, que começava sombrio: hoje você é quem manda, falou tá falado, não tem discussão. Samba que seguia triste: a minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão. E que culminava, depois de um breque, com o dedo metafórico na cara do responsável pelo horror: apesar de você, amanhã há de ser outro dia. 

Outro dia, outro samba, algo que nos afiance que essa demência tem um fim, para aliviar a vida de todos – talvez até mesmo a dos responsáveis pelo caos atual. 

Esperança é o outro nome da coisa. Como aquela que nos vem de ler a entrevista com Eduardo de Assis Duarte, um dos pioneiros do estudo da literatura produzida por afro-brasileiros. Ao lado dela, o depoimento de Dedy Ricardo ajuda a iluminar a cena do preconceito racial. 

O folhetim de Frank Jorge alcança seu antepenúltimo capítulo. Arnoldo Doberstein evoca cenas iniciais do cinema na cidade. Fernando Seffner vai no mesmo tema, com um roteiro de educação sentimental pelos cinemas. Na série dos lugares significativos da história dos trabalhadores, Frederico Bartz menciona a sede da Federação Operária. Na série dos tradutores, o depoimento de Julia da Rosa Simões

Memória é também lastro para a esperança, como nos mostra o poema de Tau Golin. Dois mortos recentes ganham evocação sensível: Adolfo Gerchmann, que nos ofereceu um lindo ensaio fotográfico do tempo do isolamento (que trazemos de volta para esta edição), é lembrado por Leo Gerchamnn, e o correto e corajoso jornalista João Souza é perfilado pelo também correto e corajoso Luiz Cláudio Cunha. Marília Kosby estampa uma nova crônica, como sempre relativa ao mundo dos animais.

E a Feira do Livro vem vindo! Depois de vermos, com grande gosto, uma feira do livro em praça pública em São Paulo tomar a nossa feira como modelo, nada mais justo que voltarmos nossa atenção para a edição que vem vindo, abrindo seus trabalhos na última sexta-feira de outubro. O patrono desta vez é Carlos Nejar, que se notabilizou como poeta, uma voz que nos anos 1970 e 80 teve imensa significação, justamente como um sinal de esperança, em meio ao horror – como se lê em seus poemas de O poço do calabouço.

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