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Sabrina Lindemann: Fósforo aceso

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Sabrina Lindemann: Fósforo aceso “O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina nada, mas permite ver quanta escuridão existe ao redor.” William Faulkner Ele certamente não escolheria uma citação de autor estrangeiro para nada do que escreveria. Sua dedicação foi para conhecer e divulgar a vida e a obra literária de mulheres e homens do Rio Grande do Sul, do passado e os contemporâneos. Mas, na noite de 12 de julho, em que soube que esse vírus que varre o mundo inteiro levou Benedito Saldanha, foi essa frase de Faulkner que invadiu meu sentimento. Desde 2004, quando conheci esse viamense que ganhava o pão como servidor municipal em Porto Alegre, acompanhei um contumaz riscador de fósforos. Chegava, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, entre desanimado com as dificuldades de divulgação e de realização das atividades culturais entendidas como necessárias, e vibrante com o que sentia sobre a beleza e a importância de suas abordagens. Cada vez que Benedito propunha uma exposição, um sarau, um boletim, uma palestra, um concurso literário, o lançamento de um livro, a luz do fósforo e a escuridão estavam ali, em suas ambiguidades. E ele pensava e realizava incessantemente todas essas coisas porque era disso que se alimentava como pesquisador e escritor. Escreveu poesia, contos e crônicas, mas foi como contador da história de autoras e autores que fundaram e fizeram do Partenon Literário de Porto Alegre, um espaço de luta abolicionista, de defesa da educação e dos direitos das mulheres, que ebuliu dentro dele esta certeza da importância de dar a conhecer. Benedito vinha me procurar: quase tímido, cabeça inclinada para as próprias mãos, voz gentil, pausada, quase baixa, mas firme. Levantava os olhos apenas para começar a enumerar os muitos motivos pelos quais deveríamos fazer, ainda que pequena e efêmera, luz à obra de Luciana de Abreu, Apolinário Porto Alegre, Lobo da Costa em evento em que estivesse a pensar. Luciana de Abreu foi a primeira mulher a quem dedicou pesquisa e estudos, resultados em livro e tantas outras ações de difusão. O autor romântico de Laços Eternos (2004), sofrido pela perda de um grande amor, disse-me, certa vez, que somente por esse amor seguia escrevendo, porque esse era o seu desejo. Mas tenho comigo que Benedito não conseguiria fazer diferente. Escrever, pesquisar e divulgar eram os combustíveis de sua existência. E o fez muito ainda. Sobre tantas outras mulheres e seus protagonismos. Como em As Radialistas e As Jornalistas, ambos lançados nas Feiras do Livro de Porto Alegre de 2018 e 2019, respectivamente.   Por isso, nesta noite em que soube de sua partida, pensei na escuridão dos tempos que vivemos e na luz dos fósforos acesos por Benedito Saldanha. E, discordando de Faulkner, digo que eles iluminaram. Mais ao seu gosto, Benedito, cito, agora, nosso conterrâneo, Erico Verissimo, patrono da casa que nos aproximou: “tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer […]

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“O que a literatura faz é o mesmo que acender um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina nada, mas permite ver quanta escuridão existe ao redor.” William Faulkner Ele certamente não escolheria uma citação de autor estrangeiro para nada do que escreveria. Sua dedicação foi para conhecer e divulgar a vida e a obra literária de mulheres e homens do Rio Grande do Sul, do passado e os contemporâneos. Mas, na noite de 12 de julho, em que soube que esse vírus que varre o mundo inteiro levou Benedito Saldanha, foi essa frase de Faulkner que invadiu meu sentimento. Desde 2004, quando conheci esse viamense que ganhava o pão como servidor municipal em Porto Alegre, acompanhei um contumaz riscador de fósforos. Chegava, no Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, entre desanimado com as dificuldades de divulgação e de realização das atividades culturais entendidas como necessárias, e vibrante com o que sentia sobre a beleza e a importância de suas abordagens. Cada vez que Benedito propunha uma exposição, um sarau, um boletim, uma palestra, um concurso literário, o lançamento de um livro, a luz do fósforo e a escuridão estavam ali, em suas ambiguidades. E ele pensava e realizava incessantemente todas essas coisas porque era disso que se alimentava como pesquisador e escritor. Escreveu poesia, contos e crônicas, mas foi como contador da história de autoras e autores que fundaram e fizeram do Partenon Literário de Porto Alegre, um espaço de luta abolicionista, de defesa da educação e dos direitos das mulheres, que ebuliu dentro dele esta certeza da importância de dar a conhecer. Benedito vinha me procurar: quase tímido, cabeça inclinada para as próprias mãos, voz gentil, pausada, quase baixa, mas firme. Levantava os olhos apenas para começar a enumerar os muitos motivos pelos quais deveríamos fazer, ainda que pequena e efêmera, luz à obra de Luciana de Abreu, Apolinário Porto Alegre, Lobo da Costa em evento em que estivesse a pensar. Luciana de Abreu foi a primeira mulher a quem dedicou pesquisa e estudos, resultados em livro e tantas outras ações de difusão. O autor romântico de Laços Eternos (2004), sofrido pela perda de um grande amor, disse-me, certa vez, que somente por esse amor seguia escrevendo, porque esse era o seu desejo. Mas tenho comigo que Benedito não conseguiria fazer diferente. Escrever, pesquisar e divulgar eram os combustíveis de sua existência. E o fez muito ainda. Sobre tantas outras mulheres e seus protagonismos. Como em As Radialistas e As Jornalistas, ambos lançados nas Feiras do Livro de Porto Alegre de 2018 e 2019, respectivamente.   Por isso, nesta noite em que soube de sua partida, pensei na escuridão dos tempos que vivemos e na luz dos fósforos acesos por Benedito Saldanha. E, discordando de Faulkner, digo que eles iluminaram. Mais ao seu gosto, Benedito, cito, agora, nosso conterrâneo, Erico Verissimo, patrono da casa que nos aproximou: “tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer […]

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