Crônica | Parêntese

José Falero: Sobre o direito à cidade

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José Falero: Sobre o direito à cidade No prefácio do meu primogênito, Evanilton, truta meu, disse assim: “O sociólogo francês Henri Lefebvre, em seu livro ‘O direito à cidade’, nos lembra que ‘A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos padrões que coexistem na Cidade.’ (LEFEBVRE, 2001, p. 22).” Até então, eu não conhecia o sociólogo, muito menos o livro e menos ainda o trecho. Gostei demais, demais, demais! Me tocou. Girou uma chavezinha dentro de mim, como diz a Dalva. E, desde então, a ideia de “direito à cidade” tem me feito refletir. Há três décadas que eu ando pelas ruas de Porto Alegre. Frequentei as quebradas mais profundas desta cidade e, ocasionalmente, alguns dos setores mais luxuosos, também. Só que eu nunca tive direito a Porto Alegre. E, mais do que isso, nunca tive sequer consciência de não ter direito à cidade. Os subempregos me fizeram ir para lá e para cá, sacolejando dentro de ônibus lotados. Eu via os prédios do Centro passando pela janela, e durante anos a fio eles nunca me disseram nada. Era como se nem mesmo fossem de verdade. Era como se fossem só parte de um gigantesco cenário de papelão, morto, sem vida, sem histórias. Mas, um dia, passado o lançamento do meu livro, quando fui entregar um exemplar à Cátia, os prédios do Centro resolveram falar comigo. Eu tinha comprado um latão no caminho, e não queria chegar no escritório da Cátia com esse latão debaixo do braço; por isso, me sentei na escadaria da Borges, ali no viaduto Otávio Rocha, e fiquei olhando tudo, enquanto bebia. Vi o prédio da Ocupação Utopia e Luta. Nossa!, passei tantas e tantas vezes por aquele prédio sem fazer a menor ideia de tudo o que ele significava! Não que eu seja, agora, um grande conhecedor dos movimentos sociais de luta por moradia, longe disso. Mas agora eu conheço a Ana, que mora naquele prédio. Ana, extraordinária atriz do extraordinário grupo Levanta Favela, que deu o maior apoio no lançamento do meu livro, cedendo o espaço, ajudando na organização, ajudando na divulgação.  Também mora naquele prédio a Suelen, doutoranda em Sociologia pela UFRGS, engajada nos movimentos sociais, outra figura ímpar que tive a honra de conhecer e tenho tido o prazer de encontrar nos mais diversos lugares onde são abordados assuntos que dizem respeito à nossa gente. Pensar em Suelen me fez lembrar do dia glorioso em que a gente se conheceu, não muito longe dali. Foi o mesmo dia em que conheci o badalado restaurante Tudo Pelo Social, onde almoçamos eu, ela, Dalva e Silvana. Silvana, esse poço de conhecimento saído da Mapa, Vila vizinha à minha, na Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre; Dalva, esse outro poço de conhecimento saído de Baldim, interior de Minas, que, mais tarde, recém-chegada de uma palestra no interior do Estado, passou uma noite naquele mesmo prédio da Ocupação Utopia e Luta. Com um susto, eu me dei […]

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No prefácio do meu primogênito, Evanilton, truta meu, disse assim: “O sociólogo francês Henri Lefebvre, em seu livro ‘O direito à cidade’, nos lembra que ‘A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos padrões que coexistem na Cidade.’ (LEFEBVRE, 2001, p. 22).” Até então, eu não conhecia o sociólogo, muito menos o livro e menos ainda o trecho. Gostei demais, demais, demais! Me tocou. Girou uma chavezinha dentro de mim, como diz a Dalva. E, desde então, a ideia de “direito à cidade” tem me feito refletir. Há três décadas que eu ando pelas ruas de Porto Alegre. Frequentei as quebradas mais profundas desta cidade e, ocasionalmente, alguns dos setores mais luxuosos, também. Só que eu nunca tive direito a Porto Alegre. E, mais do que isso, nunca tive sequer consciência de não ter direito à cidade. Os subempregos me fizeram ir para lá e para cá, sacolejando dentro de ônibus lotados. Eu via os prédios do Centro passando pela janela, e durante anos a fio eles nunca me disseram nada. Era como se nem mesmo fossem de verdade. Era como se fossem só parte de um gigantesco cenário de papelão, morto, sem vida, sem histórias. Mas, um dia, passado o lançamento do meu livro, quando fui entregar um exemplar à Cátia, os prédios do Centro resolveram falar comigo. Eu tinha comprado um latão no caminho, e não queria chegar no escritório da Cátia com esse latão debaixo do braço; por isso, me sentei na escadaria da Borges, ali no viaduto Otávio Rocha, e fiquei olhando tudo, enquanto bebia. Vi o prédio da Ocupação Utopia e Luta. Nossa!, passei tantas e tantas vezes por aquele prédio sem fazer a menor ideia de tudo o que ele significava! Não que eu seja, agora, um grande conhecedor dos movimentos sociais de luta por moradia, longe disso. Mas agora eu conheço a Ana, que mora naquele prédio. Ana, extraordinária atriz do extraordinário grupo Levanta Favela, que deu o maior apoio no lançamento do meu livro, cedendo o espaço, ajudando na organização, ajudando na divulgação.  Também mora naquele prédio a Suelen, doutoranda em Sociologia pela UFRGS, engajada nos movimentos sociais, outra figura ímpar que tive a honra de conhecer e tenho tido o prazer de encontrar nos mais diversos lugares onde são abordados assuntos que dizem respeito à nossa gente. Pensar em Suelen me fez lembrar do dia glorioso em que a gente se conheceu, não muito longe dali. Foi o mesmo dia em que conheci o badalado restaurante Tudo Pelo Social, onde almoçamos eu, ela, Dalva e Silvana. Silvana, esse poço de conhecimento saído da Mapa, Vila vizinha à minha, na Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre; Dalva, esse outro poço de conhecimento saído de Baldim, interior de Minas, que, mais tarde, recém-chegada de uma palestra no interior do Estado, passou uma noite naquele mesmo prédio da Ocupação Utopia e Luta. Com um susto, eu me dei […]

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