Parêntese | Resenha

Tiago Lopes Schiffner: Dando um nó

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Tiago Lopes Schiffner: Dando um nó Nó na orelha é o segundo disco do rapper paulista Criolo. Lançado em 2011, o álbum chama a atenção pela diversidade de ritmos e de referências musicais que traz, numa roupagem bastante diferente do estilo do rap mais tradicional dos anos 90. Com algum risco do mal-entendido, poderíamos dizer que Nó na orelha é um disco de fronteiras. Não no sentido abstratizante empregado por alguns críticos de cultura que abominam a realidade, enquanto procuram imagens vazias para caracterizarem as ambiguidades da arte. Os limites espaciais e estéticos em Nó na orelha dão conta das diferenças de classe que afastam a periferia e as áreas nobres da cidade de São Paulo. Estamos falando, ainda, de uma fronteira real entre o Brasil e a Bolívia – por exemplo em Bogotá, primeira música do disco –, na qual o tráfico é feito por pessoas que arriscam a vida e a liberdade para importarem a cocaína que alimentará as narinas dos jovens de classe média alta. A nossa outra referência geográfica é o rio Pinheiros, que divide ricos e pobres na maior metrópole da América Latina. Essas distâncias sociais e territoriais não são absolutas, sendo transpostas todos os dias. Seja porque os trabalhadores atravessam as pontes para chegar aos seus empregos, muitas vezes a casa de gente com dinheiro, seja porque a legalidade e a sua irmã rejeitada compõem o sistema de valores urbanos, transpassando centro e periferia dos países latino-americanos. Quem vive sem as recriminações do Código Penal, que não entra pela portaria, pode fazer o “12 de condomínio” sem nenhum desconforto. A falta de sorte do vapor ou do muambeiro é mais frequente, e eles podem cair a qualquer momento. Contextos distintos que convivem diariamente.  Bogotá, Não existe amor em SP e Grajauex são músicas que incorporam e tematizam a imagem da divisão social que assola o Brasil e sintetizam problemas e sonoridades de Nó na orelha. Bogotá começa com um conselho de alguém que foi iludido com uma proposta irrecusável: um caminho mais curto para ganhar algum e melhorar de vida. “Fique atento!” Esse conselho poderia servir também como dica para o ouvinte do disco. É necessária atenção para o que vem pela frente, não só na letra da canção. A composição musical mistura jazz e samba, candomblé e rap. A linha de sopro que domina o primeiro plano é acompanhada de perto pelo groove do baixo, que, mais para o fim, ganha a companhia mais destacada da percussão batuqueira. Jazz, samba e rap se encontram e celebram a raiz africana da festa, da fé e da luta. O homem da periferia e os ritmos negros pedem passagem para falar da exploração exercida sobre os excluídos. O tráfico de drogas oportuniza a ilusão e o prazer àquele que pode comprar e consome a vida de quem precisa (se) vender. A escravidão persiste, mas o tráfico é outro. E Bogotá é atravessada pelos reclames de vendedores que oferecem os seus produtos com qualidade internacional. Mas as propriedades mágicas não passam de pura […]

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Nó na orelha é o segundo disco do rapper paulista Criolo. Lançado em 2011, o álbum chama a atenção pela diversidade de ritmos e de referências musicais que traz, numa roupagem bastante diferente do estilo do rap mais tradicional dos anos 90. Com algum risco do mal-entendido, poderíamos dizer que Nó na orelha é um disco de fronteiras. Não no sentido abstratizante empregado por alguns críticos de cultura que abominam a realidade, enquanto procuram imagens vazias para caracterizarem as ambiguidades da arte. Os limites espaciais e estéticos em Nó na orelha dão conta das diferenças de classe que afastam a periferia e as áreas nobres da cidade de São Paulo. Estamos falando, ainda, de uma fronteira real entre o Brasil e a Bolívia – por exemplo em Bogotá, primeira música do disco –, na qual o tráfico é feito por pessoas que arriscam a vida e a liberdade para importarem a cocaína que alimentará as narinas dos jovens de classe média alta. A nossa outra referência geográfica é o rio Pinheiros, que divide ricos e pobres na maior metrópole da América Latina. Essas distâncias sociais e territoriais não são absolutas, sendo transpostas todos os dias. Seja porque os trabalhadores atravessam as pontes para chegar aos seus empregos, muitas vezes a casa de gente com dinheiro, seja porque a legalidade e a sua irmã rejeitada compõem o sistema de valores urbanos, transpassando centro e periferia dos países latino-americanos. Quem vive sem as recriminações do Código Penal, que não entra pela portaria, pode fazer o “12 de condomínio” sem nenhum desconforto. A falta de sorte do vapor ou do muambeiro é mais frequente, e eles podem cair a qualquer momento. Contextos distintos que convivem diariamente.  Bogotá, Não existe amor em SP e Grajauex são músicas que incorporam e tematizam a imagem da divisão social que assola o Brasil e sintetizam problemas e sonoridades de Nó na orelha. Bogotá começa com um conselho de alguém que foi iludido com uma proposta irrecusável: um caminho mais curto para ganhar algum e melhorar de vida. “Fique atento!” Esse conselho poderia servir também como dica para o ouvinte do disco. É necessária atenção para o que vem pela frente, não só na letra da canção. A composição musical mistura jazz e samba, candomblé e rap. A linha de sopro que domina o primeiro plano é acompanhada de perto pelo groove do baixo, que, mais para o fim, ganha a companhia mais destacada da percussão batuqueira. Jazz, samba e rap se encontram e celebram a raiz africana da festa, da fé e da luta. O homem da periferia e os ritmos negros pedem passagem para falar da exploração exercida sobre os excluídos. O tráfico de drogas oportuniza a ilusão e o prazer àquele que pode comprar e consome a vida de quem precisa (se) vender. A escravidão persiste, mas o tráfico é outro. E Bogotá é atravessada pelos reclames de vendedores que oferecem os seus produtos com qualidade internacional. Mas as propriedades mágicas não passam de pura […]

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