Diálogos Matinais

Porto Alegre pós-pandemia

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Porto Alegre pós-pandemia

Na primeira edição do Diálogos Matinais, a chefe de reportagem do Matinal Jornalismo, Naira Hofmeister, resgata o histórico de pioneirismos da capital gaúcha para mirar o futuro. A nova da seção apresentará textos assinados por diferentes profissionais da equipe do grupo Matinal, intercalando com a Carta da Editora, às sextas-feiras.

Porto Alegre pode sair uma cidade melhor da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus. Por enquanto, ainda choramos os mortos, nos preocupamos com a saúde coletiva, especulamos se o SUS vai dar conta de atender quem mais precisa, nos mobilizamos em redes de solidariedade para ajudar onde o estado falha. Também contamos os dias (meses, talvez?), esperando o momento em que possamos estar de volta às ruas, tomar um café na esquina, brindar com os amigos em uma calçada qualquer, colocar a canga na grama da Redenção sem culpa e curtir um solzinho no rosto (será que ainda vai estar em tempo de bergamota?)

Prefeitura municipal e governo do Estado já vêm liberando algumas atividades, mas em todo o planeta, urbanistas são unânimes ao afirmar que o medo de contaminação vai nos acompanhar pelo menos até que tenhamos uma vacina – e isso vai definir nossas formas de consumir, conviver e se divertir. As cidades precisarão ser adaptadas: mais áreas para pedestres ou bicicletas para evitar ônibus lotados, mais espaços ao ar livre, descentralizados, para evitar aglomerações.

Porto Alegre tem uma história de pioneirismo que bem pode nos ajudar nessa tarefa. Tivemos um dos primeiros “planos diretores” do Brasil, em 1914. Mais recentemente, em 2016, fomos os primeiros na América Latina a ter um plano de resiliência, cujo objetivo era justamente ganhar capacidade de resposta rápida e eficaz diante dos desafios contemporâneos.

No passado, o planejamento urbano da prefeitura teve craques como Carlos Fayet, que foi vice-presidente nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil, e Moacyr Moojen, que fez com ele o projeto do Araujo Vianna (parece uma loucura pensar que o auditório originalmente não tinha teto, bem do jeito que agora parece que as coisas precisam ser para podermos voltar a frequentar casas de espetáculos). Jorge Debiagi, autor de várias versões do polêmico projeto do Pontal do Estaleiro, também foi servidor do planejamento municipal.

Eu cubro o tema do urbanismo em Porto Alegre há uns 15 anos, e já faz tempo que ouço que a capacidade pública de pensar a cidade vem diminuindo ano após ano. A antiga e importante Secretaria do Planejamento, que depois mudou seu nome para Secretaria do Urbanismo, se tornou apenas um departamento dentro da Secretaria do Meio Ambiente desde que o prefeito Nelson Marchezan Júnior assumiu, em 2017. O número de técnicos também vem diminuindo muito, porque as aposentadorias não são repostas.

Por sorte sempre tivemos um vida cidadã muito rica, que não depende de concurso público para se organizar e cobrar que tenhamos a cidade que merecemos. Mais um ponto para Porto Alegre. Eu acompanhei uma revisão do Plano Diretor em que as associações de bairro se reuniam semanalmente para debater altura e distância que os prédios novos deveriam ter, vi audiências públicas lotarem de gente que nunca estudou arquitetura na vida, mas que estava preocupada em preservar casas, calçadas e árvores. Na Câmara Municipal, projetos como o que autorizava a construção de espigões na área do estádio Olímpico ou mesmo o do Pontal do Estaleiro reuniram tanta gente que foi preciso instalar telões do lado de fora do plenário – e isso era final de dezembro, quando nossa cabeça já está mais na praia do que na cidade.

A próxima revisão do Plano Diretor pode ser uma ótima oportunidade para pensarmos qual Porto Alegre pode emergir da crise do coronavírus. Segundo a arquiteta Patricia Tschoepke, que coordena o processo na prefeitura, essas preocupações já estavam no horizonte dos técnicos e devem ser incorporadas na lei. Mas até agora pouco foi apresentado, além de boas intenções – e as entidades de moradores estão criticando o fato de o processo de revisão já estar em curso, porque entendem que a pandemia impede a participação desejada. O Conselho do Plano Diretor, por exemplo, só retomou na última quarta as reuniões semanais, que haviam sido suspensas em março.

E o falecido Orçamento Participativo? Não seria uma boa hora para resgatar essa instância que fez Porto Alegre famosa no mundo todo porque permitia que a população escolhesse como gastar parte do dinheiro público?

E os ambientalistas porto-alegrenses, pioneiros no Brasil todo com a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural)? Não seriam figuras centrais para pensar como a cidade pode se reinventar depois que o pior passar? Nós já temos a feira orgânica mais antiga do Brasil, ali na José Bonifácio, um modelo que se multiplicou por todos os bairros nos últimos anos e que privilegia a relação direta entre o consumidor e o produtor – muitos deles aliás, nossos vizinhos, moradores da imensa zona rural de Porto Alegre, nosso cinturão verde que permite que o alimento percorra menores distâncias antes de chegar ao prato, o que também tem impacto na redução da circulação do vírus.

Para provocar essa discussão e dar a nossa contribuição ao debate, o Matinal Jornalismo está publicando uma série de reportagens que miram no futuro. A primeira abordou a orla do Guaíba e, amanhã, tem outra sobre mobilidade urbana. Temos muitas ideias para apresentar, sobre vários temas que se relacionam à pauta – sugerida, originalmente, pela repórter Fernanda Wenzel. Já somos quatro repórteres em campo até agora – além de nós duas, o Juan Ortiz e a Juliana Coin. Mais gente deve entrar no time, porque queremos uma cobertura ampla e diversa, com todos os olhares possíveis. Para que, quando a gente possa voltar a circular pela cidade, não tenhamos surpresas desagradáveis.

Naira Hofmeister
[email protected]

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