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“KD VCS”, de Thiago França: do candomblé ao minimalismo

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“KD VCS”, de Thiago França: do candomblé ao minimalismo Foto: José de Holanda

Habituado às multidões que A Espetacular Charanga do França reúne no Carnaval de São Paulo e a dividir o palco com outros artistas e grupos como o Metá Metá, o músico Thiago França lançou, em meio à quarentena, o álbum KD VCS. Solo ao pé da letra – “nu”, nas palavras do instrumentista –, acompanhado de seu saxofone e praticamente nada mais, França revela uma sonoridade introspectiva, mesclando referências que vão do candomblé à obra do compositor minimalista Steve Reich.

Ao longo de sete faixas, em pouco mais de 24 minutos, França coloca em evidência sua intimidade com o sax, explorando a respiração circular – comentada por ele na entrevista a seguir – e a sutiliza de técnicas vocais e percussivas junto ao instrumento que remetem a diferentes tradições, dos terreiros à música árabe, evocando viagens sonoras e estados de transe.

Neste sábado, às 15h, França apresenta KD VCS, lançado pelo selo YB, em show online promovido pelo espaço cultural Lab Mundo Pensante, de São Paulo [confira o serviço ao final da entrevista]. Logo após a apresentação, o músico comenta o álbum em um workshop sobre o seu processo criativo, abordando “como as faíscas viram obras de arte”.

Dê play para escutar KD VCS – cuja capa é assinada pelo artista visual Nuno Ramos – e confira a entrevista com Thiago França.

Como foi o processo de criação do álbum e qual a inspiração por trás do título KD VCS?

Começou antes mesmo de me dar conta, experimentando momentos solo de improvisação livre em alguns shows, bem antes de desejar ter um trabalho inteiro focado só no saxofone. Numa dessas, pensei que seria interessante compor algo para esse momento, que fizesse sentido totalmente nesse formato, sem parecer que falta algum instrumento. Foram muito importantes as apresentações na Audio Rebel (casa de shows no Rio de Janeiro), onde fiz os primeiros testes, e no Lab Mundo Pensante (São Paulo), onde a ideia se consolidou.

O nome veio primeiro porque eu sou a pessoa que faz parte de grupos, de turmas grandes, do Metá Metá, do Clube da Encruza, da Charanga (banda e bloco na rua), então KD VCS é esse momento sozinho, “nu”. Busco as pessoas que me influenciam, o som que eu faço com meus amigos. Enquanto ainda não tinha certeza absoluta se seria esse o nome, esbarrei num disco que gosto muito [I Am Here Where Are You], do saxofonista Peter Brötzmann [com o baterista Steve Noble], que em português quer dizer “Eu estou aqui, onde estão vocês?”. Me identifiquei com esse chamado, esse jeito de me expor artisticamente, de forma tão explícita, e encarei isso como um convite. E também, confesso, porque fazer um show ou disco solo dá um receio de pensar se alguém vai vir ou ouvir.

Antes do sax tomar conta em KD VCS, escutamos sinos em Aguiã, Afulã, primeira faixa do álbum, numa espécie de ritual de abertura. Nos conta um pouco sobre essa escolha.

A maior parte das coisas que eu faço são inspiradas na minha vivência no terreiro, no candomblé, nos rituais. O sino é um código universal de chamamento, é ele que pede a atenção das pessoas e as convoca para os templos, que parece perguntar “Cadê vocês? Vocês estão vindo?”. Esses pequenos sinos desempenham para mim a função que exerce o caxixi nos rituais de candomblé, por isso a escolha, ao invés de um sino dando uma única nota seca.

No faixa a faixa do seu perfil no Instagram, você cita John Coltrane, Collin Stetson, Getatchew Mekurya e Steve Reich como referências para algumas das faixas. De que forma as sonoridades desses compositores estão presentes no álbum?

Às vezes, uma única coisa que a gente percebe serve de inspiração para criar outra – exemplo do vibrato do Getatchew Mekurya, ou o Collin Stetson tocando e “cantando” uma nota na garganta, ou a forma meio matemática, vetorial, com que o Reich compõe. Não é para soar igual, não é um tributo, muito menos um jogo de adivinhação para o ouvinte. É mais mesmo compartilhar de onde vem a inspiração. E nesse emaranhado aí também tem o terreiro, tem Fundo de Quintal

Outro ponto que você destaca é a respiração circular. Poderia nos explicar o que é essa técnica?

Basicamente é o movimento de jogar para dentro do instrumento o ar que está nas bochechas e respirar pelo nariz ao mesmo tempo. Esse movimento é relativamente simples, o difícil é não mexer a boca e manter a embocadura para não afetar ou cortar o som. E rola uma mega oxigenação, transe mesmo, dá um barato. Dosei isso no disco. Eu percebo o apelo de fazer um disco inteiro assim pelo lado virtuosístico, mas achei que no fim das contas ia parecer mais um truque de mágica do que arte, e acabei usando só onde eu achava que realmente havia sentido.

Neste sábado (15/8) você faz um show acompanhado de workshop. Como será essa atividade?

Esse tarde vai ser assim: às 15h começa o show, como eu sempre faço, com uma breve fala seguida da apresentação ininterrupta das 7 músicas do disco e mais uma música bônus inédita. Depois, às 15h30 começa o workshop, até às 17h, onde eu vou falar sobre processo de criação, de como as faíscas viram obras de arte. Como sempre, aberto a qualquer pessoa. Não precisa ser músico, não vou estar lá mostrando partituras e escalas, é um papo sobre estética, sobre arte.

Por fim, no seu perfil no Instagram, ao apresentar KD VCS, você escreveu: “30 anos de relacionamento sério com a música, especialmente com meu saxofone tenor, um monólogo de pensamentos íntimos, teorias conspiratórias, coisas que a gente não fala em voz alta pra qualquer um”. Como tem sido refletir sobre essa trajetória durante o período de isolamento?

Não tem sido. Estou estagnado, congelado, a arte foi cancelada. Tudo que se vê é uma projeção do passado, do que a gente era, a vida mesmo não está acontecendo. Estamos em suspensão, num “pause” sem perspectiva. Não existe arte sem rua, arte sem gente, sem contato – ao menos, não a arte que me interessa. E uma coisa é arte, outra coisa é ação de marketing. Nada contra, importante só não confundir.

Para escutar mais Thiago França:
Ouça KD VCS no Spotify ou no YouTube.

Confira também Na Gafieira, primeiro álbum solo de Thiago França, lançado em 2008; as marchinhas de O Último Carnaval de Nossas Vidas, d’A Espetacular Charanga do França, de 2017; o disco Space Charanga: R.A.N., do mesmo ano; os álbuns do grupo Metá Metá; e outros projetos de Thiago França em seu blog, canal no YouTube e no Spotify.

E tem ainda o podcast do músico na plataforma dublab.

Show online KD VCS no Lab Mundo Pensante
Sábado, 15 de agosto de 2020, às 15h
O workshop com o músico inicia logo após o show.
Ingressos à venda no Sympla por R$ 20 (mais taxas).

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sábado, 15 de março de 2024 | 15h00

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