Artur Lescher observa o sutil no Farol Santander
Suspenso sobre as escadas que dão acesso ao Farol Santander, o ponteiro da instalação Pivô, com mais de 300 quilos, conduz o olhar do visitante às páginas de um atlas repleto de linhas que atravessam oceanos. A obra de Artur Lescher ganha ares de leveza no contexto imponente em que está inserida e dá as boas-vindas à mostra Observatório, que reúne 28 trabalhos apresentados pelo artista no térreo e no mezanino do espaço cultural.
“Era muito importante situar o trabalho no prédio, na cidade e em relação à praça”, explica Lescher. O atlas que atualiza Pivô, obra datada originalmente de 2014, foi comprado pelo artista paulistano em um sebo no Centro Histórico de Porto Alegre, vinculando a instalação à tradição livreira do bairro e da Praça da Alfândega.
Em relação à materialidade do trabalho, mais uma conexão: o latão da peça que aponta para o atlas faz parte não só do repertório do artista, mas também do edifício que acolhe a mostra. “É um clandestino que se enturmou”, brinca Lescher enquanto percorre o espaço expositivo no primeiro dia de visitação de Observatório – em cartaz até 24 de julho.
Um dos assuntos que mais rende reflexões de Lescher é justamente a escolha dos materiais que constituem seus trabalhos. “Cada material tem uma fala própria, como se cada um carregasse sua mala de viagem.” Na trajetória do latão em Sputnik (2021), cujas formas remetem ao primeiro satélite lançado pelos humanos no espaço, hastes arqueadas sustentam esferas de madeira próximas ao chão.
Já na obra de 2021 que empresta seu título à exposição, Lescher reúne três peças em granito, material de uso recente em sua produção. “Comecei a trabalhar com granito há uns três anos, mas não tinha acertado muito o entendimento do material com os trabalhos. Em Observatório, vi que isso era possível. É uma matéria muito particular, carrega um processo de milhões de anos”, conta o artista. “É um Flintstone feito no computador”, diverte-se, referindo-se ao uso de tecnologias digitais em seu ateliê para dar forma às esculturas.
Ainda sobre Observatório, Lescher comenta que o trabalho “é como se fosse um ‘apontador’, uma palavra com campo semântico amplo. Pode estar ligado à ideia de registro, mas também apontar um ângulo que atravessa a arquitetura. Uma linha ao infinito que em algum lugar cruza com outras linhas e corpos celestes” – em diálogo com as “linhas invisíveis atuantes” do atlas de Pivô.
Marcantes em diversas obras tridimensionais do artista, as linhas estão presentes nos trabalhos de Lescher desde o início de sua trajetória. “Venho de uma formação muito forte em desenho e comecei fazendo desenho de observação. Uma hora saí do papel para desenhar no espaço.”
Nas obras da série Finial – exibidas pela primeira vez em um conjunto de oito peças –, as linhas aludem a elementos arquitetônicos. O título é o termo em inglês para florão, ornamento que geralmente ocupa extremidades de construções. Os trabalhos de Finial incluem linhas voltadas para o céu que remetem não só a florões, mas também a um mastro e aos telhados de uma casa.
“Por mais que possam parecer só afirmação de vaidade e beleza, esses elementos estão relacionados a questões de poder e acabam com uma ponta muito frágil”, observa o artista, que enxerga nos ornamentos a sugestão de “pontos de inflexão que podem virar conflito”. Nesse sentido, na visão de Lescher, o trabalho do artista atua como “dispositivo para recuperar informações que estão no subsolo do entendimento”.
Além de Sputnik, Observatório e Finial #07, #08, #09 e #10, a obra Rio Léthê #19 é exibida ao público pela primeira vez. Feito de tiras de feltro e peças de madeira, o trabalho integra as investigações de Lescher em torno do rio como imagem, contendo ritmos, conexões e circularidades que remetem a fluxos mentais, em uma das leituras possíveis da obra.
Fisicalidades sutis
O curso da conversa com Lescher no mezanino do Farol Santander deságua em recordações de outras passagens do artista pela cidade. Na mostra Da Escultura à Instalação, na 5ª Bienal do Mercosul (2005), ele apresentou no Cais Mauá uma instalação sem título que reunia equipamentos inusitados sobre um piso de saibro. No catálogo da mostra, o curador-geral Paulo Sergio Duarte pergunta: “Pentes de saibro ou arados inúteis? Pantógrafo maluco ou futuro desenho à espera de um sujeito que dele tome posse? Irmãos acorrentados ou carretéis gigantes que vieram pousar na terra de Iberê Camargo?”
Em 2009, na 7ª Bienal do Mercosul – com curadoria-geral do chileno Camilo Yáñez e da argentina Victoria Noorthoorn –, Lescher foi curador da exposição Texto Público, que buscou ampliar o diálogo do evento com a cidade e tinha entre suas propostas a Radiovisual, concebida por Lescher e Lenora de Barros e coordenada por Fabrizio Rosa. Um dos componentes da Radiovisual – que podia ser escutada no site da Bienal do Mercosul e na frequência 107,7, da FM Cultura – era o programa Ao Redor de 4’33. Com nome em homenagem ao concerto 4’33 de John Cage, a proposta envolveu mais de uma centena de participantes.
Em seu texto curatorial para a 7ª Bienal, Lescher afirma: “Interessam os trabalhos visíveis e os invisíveis, que ocupam fisicalidades sutis”, apontamento que atravessa o espaço-tempo para ser contemplado hoje em seu Observatório.
—
Exposição “Observatório”, de Artur Lescher
Onde: Farol Santander Porto Alegre(Rua Sete de Setembro, 1.028 – Centro Histórico – Porto Alegre
Quando: até 24 de julho de 2022
Visitação: terça a sábado, das 10h às 19h; domingos e feriados, das 11h às 18h
Ingressos: R$ 15,00 (visitação completa ao Farol Santander) à venda no Sympla
Classificação: Livre
Acessibilidade: Rua Cassiano Nascimento – acesso lateral / toaletes e elevadores adaptados, rampas de acesso
Mais informações no site do Farol Santander