As fotos que Achutti viveu
Porto Alegre, 13 de abril de 1984. Com as Diretas Já tomando as ruas do país, Fafá de Belém cantava o hino nacional e soltava uma pomba branca aos olhos de cerca de 200 mil pessoas reunidas no largo Glênio Peres. “Não podia perder a pomba da Fafá. Usei grande angular e flash para garantir que ela, a pomba, não fugisse do quadro e que também não ficasse muito borrada em fuga”, recorda o fotógrafo, antropólogo e professor do Instituto de Artes da UFRGS Luiz Eduardo Robinson Achutti.
“Muitos anos depois, no dia do meu aniversário”, completa, “ganhei de presente a foto de um colega que estava junto ao povo, ele fotografou 1/3 de segundo antes de mim, e como eu estava no enquadramento dele, me deu de presente”. Histórias e imagens como essas, fruto de uma trajetória de 45 anos como fotógrafo – indo do fotojornalismo à etnografia e às artes visuais –, compõem o livro digital Fotos que Vivi: Achutti 45 anos, que reúne mais de 80 fotografias acompanhadas de relatos de seu autor.
Com navegação amigável e disponível online, a publicação da loja Ponto UFRGS apresenta ainda textos do psicanalista Celso Gutfriend, da ex-diretora do Departamento de Difusão Cultural da UFRGS Claudia Boettcher, da escritora Marcia Tiburi e uma reflexão do próprio Achutti sobre sua trajetória. A capa do livro – com a obra O Último Trem, a Última Fotografia (1996), que integra a 15ª Coleção Pirelli/Masp de Fotografia – traz à tona o interesse de Achutti pelas ferrovias do estado.
“Minha família é de Santa Maria. Quando criança, eu viajava naqueles trens-dormitório, com minha mãe e irmã, para passar as férias de julho com meus quatro avós. Lá perto das privatizações sacanas do FHC, eu e um grupo de amigos amantes da fotografia (Grupo Leica 1) saíamos para fotografar determinados temas juntos. Há mais de 20 anos tenho o projeto de fazer um livro sobre o universo ferroviário do Rio Grande do Sul – as cem estações, além de tudo que as envolve. Já fotografei um terço, falta muito, falta apoio, falta tudo”, conta o fotógrafo.
O livro também traz registros de incursões de Achutti em territórios marcados pelas tensões da Guerra Fria. “Durante a ditadura eu escutava as ondas curtas para saber do mundo socialista, o que era censurado aqui. Minha ideia foi fazer um inventário desse mundo tão mal falado: Cuba, em 1986 (voltei 30 anos depois, em 2016); Nicarágua, em 1988 (queria, mas não voltei 30 anos depois, devido ao grau de putrefação do que fora o sandinismo); e Alemanha Comunista, em 1989 (voltei no ano seguinte para a re-anexação, não voltei em 2019 por falta de dinheiro e também não em 2020 por culpa da pandemia, uma tristeza enorme para mim).”
Fotos que Vivi também mostra o interesse do fotógrafo pelos retratos. “Há muitos anos, minha amiga e depois orientadora de mestrado na Antropologia da UFRGS [Ondina Fachel] me disse que eu era o fotógrafo dos olhares dos outros. Sempre fiz isso desde o primeiro dia que saí com uma câmera – qualquer pessoa: velhos, crianças, anônimos ou conhecidos em geral nas ruas”, conta Achutti, cujo ingresso no corpo docente do Instituto de Artes da UFRGS em 1994 lhe oportunizou o contato com artistas como Xico Stockinger e Iberê Camargo.
A seleção das imagens que compõem o livro privilegiou as relações entre as fotografias, em detrimento de uma organização temática ou cronológica. Os comentários sobre as fotos são acessados com um clique durante a navegação, permitindo que a leitura da publicação também possa se dar somente pelas imagens, sem interferência dos textos. No conjunto da publicação, afirma Achutti, as fotografias e relatos descrevem um modo de “estar no mundo”: “uma forma de pensar, valorizar, se posicionar perante, merecer o mundo”.