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Iole de Freitas decupa 40 anos de trajetória artística

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Iole de Freitas decupa 40 anos de trajetória artística Foto: Romulo Fialdini/Divulgação

Dez meses depois de cancelar atividades presenciais por conta da pandemia, o Instituto Ling inicia sua reabertura gradual nesta quinta-feira (4/2) recebendo uma nova exposição: a mostra cronológica Decupagem, da artista visual mineira Iole de Freitas. Para garantir a segurança do público e dos colaboradores, o acesso ao centro cultural será feito somente com agendamentos pelo site da instituição, com horários disponíveis para quintas, sextas e sábadosàs 14h, 15h30min ou 17h, sendo permitida a entrada de grupos de até cinco pessoas por vez.
 
As visitas serão gratuitas, guiadas pela equipe do programa educativo do centro cultural e terão duração total de uma hora, podendo incluir também uma passagem pelas obras do acervo permanente de arte contemporânea do Instituto Ling. Haverá intervalos de 30 minutos entre cada visitação, para que possa ser feita a higienização adequada dos espaços e para que os diferentes grupos não se cruzem, respeitando o limite de capacidade reduzida do local. Além disso, a distribuição dos catálogos da exposição será feita virtualmente, com o envio da versão digital para o e-mail dos visitantes.

Com curadoria de João BandeiraDecupagem reúne 29 obras e 90 documentos que refazem o percurso artístico de Iole de Freitas em mais de 40 anos de atuação. A mostra contempla desde os primeiros trabalhos da artista mineira, criados na década de 1970 em Super-8, passando pelas investigações do espaço que buscavam a integração das obras com o ambiente arquitetônico na década de 1980 e chegando às produções mais recentes, em estrutura de aço inox recortado. Há ainda esculturas em diversos outros materiais, como fio de cobre e latão, além de fotografias, maquetes e desenhos.
 

“ExtrovertPenetrate” (1973), de Iole de Freitas


A exposição itinerante estreou em 2018, no Instituto de Arte Contemporânea de São Paulo (IAC), e ocupou também a Casa Firjan, no Rio de Janeiro, em 2019. Em Porto Alegre, a mostra cronológica chega com três novas obras, sendo uma delas inédita, criada no início de 2020, em aço inox com pintura artesanal, especialmente para ocupar a galeria do Instituto Ling.
 
Por conta da pandemia, o processo de montagem da exposição foi realizado em um novo formato, com a presença apenas da equipe do Instituto Ling no prédio e com participação remota, feita por ligações de vídeo, da artista, do curador, assim como do arquiteto Marcus Vinícius Santos, responsável pela expografia. O resultado são 25 obras fixadas nas paredes da galeria, uma escultura sobre base e cinco vitrines, dispostas no espaço de exposição, que abrigam a documentação. Já os três filmes que também fazem parte da mostra serão exibidos em outro espaço do centro cultural, dedicado somente à projeção.
 
“A noção de decupagem, significando ações que produzem continuidades a partir de recortes, poderia caracterizar sumariamente a extensa produção de Iole de Freitas, em mais de quatro décadas de atividade artística – e, paralelamente, a proposta da curadoria. Como se pode ver nas obras e documentos desta exposição, desde os anos 1970 seu trabalho se desdobra em continuidades que, em boa parte, vivem de sua disposição entrecortada. Da faca que avança rompendo um tecido, em um de seus filmes daquela época, até os desvios que tubos metálicos e placas de policarbonato impõem a si mesmos, recortando os grandes espaços onde se instalam enquanto se lançam vigorosamente neles, em obras mais recentes”, destaca Bandeira em seu texto curatorial.

“Sem título” (1997), de Iole de Freitas. Foto: IAC/Divulgação

Um dos mais destacados nomes da arte contemporânea brasileira, Iole de Freitas produz e expõe seu trabalho desde 1973. Sua trajetória está amplamente documentada em publicações e textos de renomados críticos de arte.

Participou da 9ª Bienal de Paris (1975), da 15ª Bienal de São Paulo (1981) e da Documenta de Kassel (2007), além de realizar exposições individuais e instalações de grande porte no Brasil e no exterior, como no átrio da Fundação Iberê Camargo (2008) e na Pinacoteca do Estado de São Paulo (2010). Além de DecupagemO Peso de Cada um (MAM-RJ, 2015) e Dobradura Curva (Galeria Raquel Arnaud, São Paulo, 2017) são algumas de suas individuais mais recentes.

Na entrevista exclusiva a seguir – que inclui intervenções do curador João Bandeira –, Iole de Freitas comenta a respeito das obras expostas em Decupagem, explica um pouco seu processo de criação, compara as semelhanças e diferenças do ambiente artístico no começo dos anos 1970 e o atual e revela que segue ativa produzindo em tempos de isolamento social: “O que a pandemia me trouxe foi a possibilidade de agudizar a sensibilidade e realizar novos filmes, alguns com registros dos anos 1970, outros atuais. Chama-se Roteiro Cego o que está praticamente pronto. Tem sido uma excelente experiência”.

“Maquete” (1991), de Iole de Freitas: Foto Romulo Fialdini/Divulgação

Decupagem sintetiza quatro décadas da sua trajetória artística. Que percurso é esse narrado na exposição?

Iole de Freitas – Trata-se de um percurso narrado pelos desenhos, esboços, maquetes, escritos e anotações, fotos de processos de execução de instalações, publicações que registram exposições realizadas no Brasil e em outros países, além da recepção do trabalho pela crítica especializada.

João Bandeira – É todo um material documental que faz parte do Fundo Iole de Fretas, acervo sob a guarda do Instituto de Arte Contemporânea (IAC), em São Paulo, pontuado por obras de diversos períodos, desde as fotos e filmes dos anos 1970.

A mostra destaca a importância do desenho como processo e fim em sua obra. Você pode comentar sobre isso, por favor?

Iole – Ninguém melhor que o João Bandeira para fazê-lo, uma vez que ele se debruçou sobre os meus desenhos, em seus diversos matizes, para estruturar seu raciocínio poético sobre a minha obra. E o fez com uma sensibilidade assertiva exemplar, uma vez que ele, João, é um poeta com uma bela produção literária.

João – Venho acompanhando a obra de Iole de Freitas faz quase duas décadas, e por mais de uma vez tive oportunidade de escrever e publicar reflexões sobre o seu trabalho. Mas não conhecia em profundidade esse acervo documental hoje depositado no IAC. Fiz uma extensa pesquisa nele, a partir da qual foi amadurecendo a ideia geral para a curadoria da exposição Decupagem. Parte dessa ideia é a que está indicada no título da mostra (uma palavra emprestada do vocabulário do cinema): há uma espécie de constante nos diferentes momentos da trajetória artística de Iole que são as “ações que produzem continuidades a partir de recortes”, como escrevi no texto de apresentação. Outra coisa importante na concepção da exposição veio da constatação de que o desenho é uma espécie de condutor do trabalho dela. Na escolha das obras e na sua disposição nas salas (com a colaboração do arquiteto Marcus Vinícius Santos), mais os cerca de cem documentos em vitrines, procurei explicitar também o papel decisivo do desenho no trabalho de Iole ao longo do tempo, mostrando suas mais diversas modalidades: o esboço rápido, os desenhos sucessivos que vão aos poucos definindo as formas definitivas das obras, o detalhamento de uma parte específica de uma delas, o desenho técnico para a implantação de uma instalação, entre outros – além do desenho destinado a ser, ele mesmo, obra.

“Sem título” (2013), de Iole de Freitas. Foto: Mario Grisolli/Divulgação

Você utiliza materiais metálicos duros como aço, cobre e latão para dar espacialidade a linhas, planos e curvas graciosas. Que relações e tensões você busca explorar nessa conjugação entre matéria e forma?

Iole – Surgem juntos: matéria e forma. A elas se acrescenta a inteligência do trabalho em relação aos cálculos estruturais que a mantém invicta em espaços abertos, mesmo quando sujeita a intempéries.

A mostra no Instituto Ling tem três novas obras, incluindo uma inédita. Que trabalhos são esses?

Iole – A obra realizada para essa exposição no Instituto Ling é constituída por três peças. Pertence à série branca. Como as demais obras deste momento, lida com uma textura pictórica muito singular, em brancos diferenciados, e trata da investigação sobre o côncavo e o convexo. Foi uma alegria realizá-la para essa mostra. Acho um bom trabalho.

“Sem título” (2020), de Iole de Freitas. Foto: Sergio Araujo/Divulgação

No começo dos anos 1970, a arte contemporânea passava por um momento de particular ebulição criativa, em que os artistas ainda se reuniam em movimentos e vanguardas. Esse panorama mudou bastante desde então. Como você vê a produção artística hoje, especialmente no Brasil?

Iole – A reflexão e criação artísticas não se acanham com dificuldades e desafios. Muito pelo contrário, por vezes, se intensificam e resistem às turbulências. Creio que artistas e críticos, agentes culturais em frente ampla, continuam a se encontrar e a se reunirem mesmo neste instante de pandemia. Logicamente, de maneira diferente dos anos 1970, pela dinâmica cultural atual e pelas circunstâncias emergenciais de saúde. Mas o pensamento e a fala estética continuam atuantes. Vejo bem isso no grupo de análise de trabalhos e de trocas de reflexões que fazemos nos Encontros que ministro na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (no Rio de Janeiro). Driblamos o isolamento, nos reunimos remotamente e estamos produzindo uma edição virtual e impressa do que resultou desses Encontros e Reflexões (é o título do curso) durante os meses da pandemia em 2020. Continuaremos em 2021.

Por causa da pandemia, Decupagem teve sua data de abertura original em Porto Alegre adiada e a visitação do público será por agendamento, seguindo protocolos sanitários. De que maneira o isolamento social por conta do combate ao novo coronavírus vem afetando seu trabalho?

Iole – De fato, não ter estado presente na abertura da exposição no Instituto Ling foi triste. Mas a mostra é para os outros, é para o público. Fizemos nossa parte, e o trabalho do João, do IAC e de toda a equipe envolvida do Instituto Ling foi admirável. Trata-se de uma bela expo. Um mergulho na minha obra, feito de modo sensível e profissional. Fico muito grata por isso. E as pessoas poderão ir, agendando, com foco nas obras. Continuo com os meus trabalhos no ateliê, realizando novas pesquisas e novas obras. Inclusive as de grande escala, que, realizadas no ateliê junto aos meus técnicos ou na caldeiraria que me atende, são instaladas com meu acompanhamento remoto, caso sejam instaladas fora do Rio. O que a pandemia me trouxe foi a possibilidade de agudizar a sensibilidade e realizar novos filmes, alguns com registros dos anos 1970, outros atuais. Chama-se Roteiro Cego o que está praticamente pronto. Tem sido uma excelente experiência.

“Sem título” (anos 1990), de Iole de Freitas. Foto: Sergio Araujo/Divulgação

“Sou Minha Própria Arquitetura” (2014), de Iole de Freitas. Foto: Sergio Araujo/Divulgação

Still do filme “EXIT” (1972), de Iole de Freitas. Foto: Fabio Del Re/Divulgação
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