“Lugar Sem Lugar”: os limiares de Lucas Arruda
Inaugurada no último sábado na Fundação Iberê, a exposição Lugar Sem Lugar é a primeira mostra individual de Lucas Arruda em um museu brasileiro. Reunindo obras produzidas entre 2009 e 2021, o artista ocupa o terceiro andar da instituição com 70 trabalhos. A curadoria é de Lilian Tone, que em parceria com Arruda selecionou 49 obras de Iberê Camargo para apresentar Tudo Te É Falso e Inútil, no segundo piso, estabelecendo um diálogo entre as exposições.
Arruda exibe pela primeira vez todas as obras de Deserto-Modelo. A série evidencia o modo como o artista explora os limiares entre figuração e abstração. “Como espectadores, tendemos a atribuir sentido a qualquer marquinha num espaço aberto, a imediatamente interpretar uma linha horizontal como uma linha de horizonte, a enxergar nuvens nas mudanças de direção de pinceladas, ou a ver um chão de terra numa camada grossa de impasto”, analisa Tone, curadora independente que já integrou o Departamento de Pintura e Escultura do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).
A presença de linhas horizontais mencionada por Tone também ganha destaque em pinturas da Mata Atlântica – a partir de observações da vegetação da Barra do Una, no litoral do estado de São Paulo – que compõem a série. No catálogo da exposição, Arruda comenta que “o horizonte separa o que pertence a cada lugar, o que é meu e o que não é, o que está dentro e o que está fora, acima e abaixo, e diferencia o real da fantasia. Nesse sentido, acho que traçar a linha do horizonte é meio como organizar o mundo”.
Outro aspecto que chama a atenção na mostra é a sutileza da luminosidade, tanto em paisagens – com nuances que remetem às variações da luz ao amanhecer e anoitecer –, como em monocromos, que se tornaram mais presentes na produção de Arruda nos últimos anos a partir do estudo do artista de como as tintas interagiam com as superfícies. “Fui entendendo que talvez bastasse ficar só com o tecido cru”, conta o artista.
“Vou à rua 25 de Março [em São Paulo] e procuro linhos já tingidos. Tenho alguns parâmetros em termos de qualidade, trama e cores porque, às vezes, é difícil reproduzir a cor do tecido precisamente com tinta. Meu trabalho no ateliê é achar o pigmento de cor que corresponde à do tecido, mas no tom mais baixo possível. Depois, pouco a pouco, vou dando luminosidade à cor, o que é outro exercício, pois você não ilumina uma cor simplesmente acrescentando branco”, completa Arruda.
Variações tênues também estão presentes em uma instalação – que integra a série Deserto-Modelo – formada por dois quadrados em uma parede: um deles, pintado; o outro, criado a partir de um projetor de luz. “A ideia do trabalho foi criar um ideograma da paisagem. No quadrado superior, a luz faz alusão ao céu, ao imaterial, ao sonhado, imaginado ou fantasioso. Ao passo que o quadrado pintado sugere o terreno ou material, o racional, físico, tátil. Eu queria que os dois elementos funcionassem no mesmo nível de (in)visibilidade”, comenta o artista em entrevista à curadora Lilian Tone, publicada no catálogo da exposição.
Lugar Sem Lugar apresenta ainda uma réplica de taça de alabrastro egípcia, um vídeo (Neutral Corner), uma instalação mesclando pintura e objetos e obras do início da carreira do artista, nascido em 1983 em São Paulo e formado em Artes Plásticas na Universidade Santa Marcelina. Entre outras exposições no exterior, Arruda realizou uma mostra retrospectiva no museu Fridericianum, em Kassel, na Alemanha, em 2019, que reuniu obras de mais de uma década. Seus trabalhos fazem parte de coleções de instituições prestigiadas como Tate Modern, Guggenheim Museum e Centre Georges Pompidou.
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