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MACRS exibe acervo de artistas mulheres

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MACRS exibe acervo de artistas mulheres "Vegetação em Polvorosa" (2010), de Claudia Barbisan. Foto: MACRS

Desde 2018, as pesquisadoras de história da arte Cristina Barros, Marina Roncatto, Mel Ferrari e Nina Sanmartin dedicam-se a investigar a presença de artistas mulheres nas coleções públicas de arte de Porto Alegre. Vencedora do Prêmio Açorianos de Artes Plásticas de 2020 na categoria Destaque em Acervos, a pesquisa Mulheres nos Acervos inaugura a exposição 47% – Artistas Mulheres no Acervo do MACRS nesta quinta-feira (11/2), apresentando dados e obras de 40 artistas que integram a coleção do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul

“O MACRS é atualmente a instituição pública de artes visuais na cidade de Porto Alegre com a maior porcentagem de artistas mulheres em seu acervo, 47,7%, configurando-se, talvez, como a instituição pública de artes visuais no Brasil mais próxima de atingir a paridade de gênero em sua coleção”, contam as pesquisadoras do coletivo e curadoras da mostra.

“Apesar de entusiasmante”, ponderam, “a percentagem que dá título à exposição não encerra a questão de representatividade e ainda deve ser problematizada. Ainda há pouca representatividade na coleção no que se refere ao número de artistas negres, indígenas, transexuais, travestis, não-bináries… Dentre as 365 artistas mulheres presentes no acervo, apenas uma é transexual, quatro são negras e uma é indígena” – leia a entrevista completa ao final da matéria.

O diretor do MACRS, André Venzon, celebra os 47,7% de mulheres no acervo, “haja vista que a disparidade de gênero é uma realidade na maioria dos museus de arte, não só no país, como no exterior”, e acolhe a crítica em relação à baixa representatividade em termos de interseccionalidades: “a pesquisa lança uma luz sobre as ausências que precisam ser lembradas, ou melhor dizendo, contempladas na política de aquisição do museu em caráter permanente”.

“Auto-Retrato com Máscara Africana e Bandeirinhas (Volpi)” (1998), de Rosana Paulino

Acervo em números

Além das questões de gênero e raça da composição da coleção, a equipe do Mulheres no Acervo esmiuçou outras informações relacionadas às obras de artistas mulheres. “Um dado novo que apresentamos pela primeira vez com essa exposição é a naturalidade das artistas a partir dos estados brasileiros, para que também possamos pensar nas geografias que estão inclusas nas narrativas que fazem parte da coleção”, explicam as curadoras-pesquisadoras.

Gráfico: Mulheres nos Acervos

Gráfico: Mulheres nos Acervos

Gráfico: Mulheres nos Acervos

A exposição do MACRS reúne obras de Ana Alegria, Angela Plass, Camila Schenkel, Claudia Barbisan, Cláudia Hamerski, Claudia Paim, Denise Gadelha, Dione Veiga Vieira, Eleonora Fabre, Élida Tessler, Elle de Bernardini, Fernanda Barroso, Gisela Waetge, Glaucis de Morais, Iole de Freitas, Isabel Ramil, Karin Lambrecht, Karina Nery, Leda Catunda, Leila Danziger, Lidia Lisbôa, Lilian Maus, Lurdi Blauth, Marcela Tiboni, Maria Lídia Magliani, Maria Lúcia Cattani, Mariana Silva, Mariane Rotter, Marina Camargo, Mayana Redin, Patrícia Francisco, Pietrina Checcacci, Regina Silveira, Romanita Disconzi, Romy Pocztaruk, Rosana Paulino, Rosângela Rennó, Shirley Paes Leme, Vera Chaves Barcellos e Yana Tamayo.

A mostra ocupa as galerias Sotero Cosme e Xico Stockinger (6º andar), e as salas Augusto Meyer (3º andar) e Virgílio Calegari (7º andar) da Casa de Cultura Mario Quintana

Confira o serviço completo ao final da matéria e leia a entrevista com Cristina Barros, Marina Roncatto, Mel Ferrari e Nina Sanmartin, pesquisadoras do Mulheres no Acervo.

Nos contem um pouco mais sobre a pesquisa Mulheres nos Acervos.

Mulheres nos Acervos é uma pesquisa colaborativa, proposta em 2018 pelas pesquisadoras de História da Arte Cristina Barros, Marina Roncatto, Mel Ferrari e Nina Sanmartin, que consiste na coleta e análise de dados sobre a presença de trabalhos de artistas mulheres nas cinco coleções públicas de arte da cidade de Porto Alegre. Em 2019, o projeto apresentou os resultados da pesquisa em exposições no MARGS, na Pinacoteca Aldo Locatelli e na Pinacoteca Ruben Berta. Em 2020, o projeto foi vencedor no 13º Prêmio Açorianos de Artes Plásticas na categoria Destaque em Acervos.

“Elis: Quem Grita Vive Contigo” (1984), de Ana Alegria. Foto: MACRS

De que forma o acervo do MACRS se destacou na investigação?

O Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul é atualmente a instituição pública de artes visuais na cidade de Porto Alegre com a maior porcentagem de artistas mulheres em seu acervo, 47,7%, configurando-se, talvez, como a instituição pública de artes visuais no Brasil mais próxima de atingir a paridade de gênero em sua coleção.

Apesar de entusiasmante, a percentagem que dá título à exposição não encerra a questão de representatividade e ainda deve ser problematizada. Ainda há pouca representatividade na coleção no que se refere ao número de artistas negres, indígenas, transexuais, travestis, não-bináries… Dentre as 365 artistas mulheres presentes no acervo, apenas uma é transexual, quatro são negras e uma é indígena.

Quais outras descobertas da pesquisa vocês destacam?

O acervo do MACRS é diverso quando pensamos nas linguagens artísticas que fazem parte dele, nós demonstramos isso através dos dados coletados na etapa quantitativa da nossa pesquisa. Além disso, a maioria do acervo é composto por artistas que nasceram entre a década de 1940 e 1980, dado que também nos fez pensar no fator etário do “contemporâneo” que temos aqui. 

Para nós, era muito importante mostrar os dados para o público, para entendermos como esses acervos públicos de artes visuais são constituídos. Por isso, além de dados básicos como quantidade de artistas mulheres versus quantidade de artistas homens e quantidade de obras de artistas mulheres versus quantidade de obras de artistas homens, buscamos apresentar também a relação entre os gêneros e as técnicas utilizadas nas obras e a relação entre os gêneros e gerações – definidas através da informação de ano de nascimento das(os) artistas, considerando gerações com intervalos de 20 anos.

Um dado novo que apresentamos pela primeira vez com essa exposição é a presença de um gráfico que apresenta a naturalidade das artistas a partir dos estados brasileiros, para que também possamos pensar nas geografias que estão inclusas nas narrativas que fazem parte da coleção.

“Tramas Diárias” (2010), de Lilian Maus. Foto: MACRS

Como se deu a curadoria da mostra que será inaugurada no MACRS? Como ela se relaciona com as exposições anteriores vinculadas à pesquisa?

Cada acervo pesquisado é uma nova descoberta. Normalmente é a partir dos dados obtidos na fase quantitativa que desenvolvemos qual será o recorte curatorial. Porém, há um caminho natural de amadurecimento da pesquisa como um todo. Na primeira exposição da Pinacoteca Aldo Locatelli, por exemplo, tivemos a preocupação de mostrar a trajetória das artistas mulheres dentro do sistema da arte gaúcho, colocando referências de pesquisa e desmistificando algumas ideias que normalmente acompanham a discussão de gênero.

Na exposição da Pinacoteca Ruben Berta percebemos que, por ser um acervo fechado, constituído na década de 1960, havia lacunas que poderiam ser tensionadas com produções recentes e então convidamos jovens artistas contemporâneas para dialogarem com as obras permanentes.

Já no MARGS optamos por outro viés investigativo, selecionamos artistas que em diferentes tempos conseguiram se legitimar e, com a colaboração do Núcleo Educativo durante o processo de pesquisa, foram desenvolvidos verbetes que apresentavam aos públicos do museu informações sobre a relevância de suas trajetórias frente ao campo artístico.

Deste modo, entendemos o projeto como um conjunto de todos os acervos estudados, mas cada exposição é única e apresenta as particularidades do acervo analisado no momento.

O recorte curatorial da exposição 47% prioriza as técnicas em que as artistas mulheres se sobressaem no acervo do MACRS: pintura, gravura, videoarte e fotografia. Há também destaque para obras que podem ser compreendidas como instalação, como o Mapa de Cerâmica de Fernanda Barroso, que forma através de diversas peças o mapa da cidade de Belo Horizonte, ou a obra têxtil de Lídia Lisboa, que possui mais de 3 metros de altura. O interessante desse acervo de arte contemporânea é justamente perceber a diversidade de linguagens possíveis e de narrativas construídas pelas artistas através delas.

“Evacéu” (1971), de Pietrina Checcacci. Foto: MACRS

Qual a importância das ações educativas do projeto e como elas se dão no MACRS, tendo em vista o contexto da pandemia?

Em todos os desdobramentos expositivos da pesquisa nós sempre trabalhamos em conjunto com os setores educativos das instituições estudadas. As ações educativas sempre foram um braço primordial para que pudéssemos alcançar espaços públicos de debate dentro das instituições. Inicialmente, em um momento pré-pandemia, nosso plano principal para as ações no MACRS envolvia a organização de uma programação de oficinas com artistas e educadoras que trabalham com pesquisas relacionadas à arte contemporânea.

Já dentro do contexto pandêmico, recorremos ao caminho virtual, como a maioria das instituições culturais, e iniciamos uma série de publicações nas redes sociais do MACRS apresentando as artistas e as obras que compõem a exposição 47%. Nas primeiras publicações, em contato com algumas artistas, nós conseguimos apresentar vídeos-depoimentos delas falando sobre a pesquisa de seus trabalhos. Em um segundo momento, esses vídeos foram substituídos por audiodescrições mediadoras desenvolvidas pelos estagiários do MACRS. Essas publicações seguem acontecendo semanalmente nos perfis do museu no Instagram e Facebook.

Agora, no contexto de reabertura do MACRS para visitação, parte da equipe da instituição estará disponível no espaço expositivo para a realização de visitas mediadas. Nós realizamos dois dias de formação com essa equipe abordando tópicos conceituais da nossa pesquisa junto ao acervo do MACRS e também tópicos sobre práticas de mediação, acessibilidade cultural e possibilidades de atendimento durante a pandemia.

Poderiam falar um pouco mais sobre as iniciativas de inclusão da mostra? 

Como mencionamos, quando os vídeo-depoimentos que algumas artistas enviaram para publicação nas redes sociais do museu foram todos disponibilizados, uma segunda fase de publicações foi desenvolvida com vídeos com audiodescrições mediadoras das obras. A iniciativa de produzir esse material partiu da equipe do MACRS, que já vinha trabalhando na produção de legendas para os vídeos das artistas também. Essas audiodescrições foram incorporadas nas fichas técnicas que acompanham as obras no espaço expositivo e podem ser acessadas a partir de QR Codes.

Além disso, durante a formação que realizamos com a equipe que será responsável pelo atendimento presencial, realizamos algumas discussões sobre acessibilidade cultural e dialogamos sobre a criação de materiais multissensoriais inclusivos, como reproduções táteis para algumas obras a partir de materiais de fácil manutenção e higienização… Nossa ideia é poder acompanhar a equipe durante o período de visitação da mostra e auxiliar no planejamento e criação de tais recursos.

A produção de conteúdos com acessibilidade faz parte dos nossos objetivos enquanto pesquisadoras e curadoras do projeto e nos anima muito que nessa etapa do projeto a equipe do MACRS teve condições de trabalhar dando a atenção merecida a esse tópico. É uma prática que, sem dúvidas, queremos levar adiante nas nossas ações.

Por fim, quais os planos de vocês para 2021 em relação à pesquisa?

Em 2020 participamos de alguns editais e conseguimos realizar desdobramentos importantes para a pesquisa, divulgando artistas contemporâneas que ainda não fazem parte de acervos públicos de artes visuais.

O projeto “Interlocuções”, por exemplo, foi realizado com incentivo do FAC Digital a partir de conversas online que tiveram como convidadas as artistas Mitti Mendonça, Renata Sampaio e Ué Prazeres – que apresentaram suas trajetórias artísticas e dialogaram conosco e com os públicos presentes sobre suas pesquisas. 

Outro projeto que realizamos foi o “Leituras”, contemplado em um dos editais de Auxílio Emergencial à Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, em que produzimos vídeos realizando leituras comparativas de imagens a partir de obras de artistas mulheres presentes nos acervos da Pinacoteca Aldo Locatelli e Pinacoteca Ruben Berta. Todos os conteúdos estão disponíveis online no canal do nosso projeto no YouTube.

Nesse sentido, nosso principal objetivo para 2021 é finalizar essa etapa de exposições com a realização da exposição com o acervo da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo e seguir acompanhando os editais de incentivo para que possamos inscrever em algum deles o projeto do catálogo geral da nossa pesquisa e das exposições realizadas a partir dela.

SERVIÇO

Exposição: 47% – Artistas mulheres no acervo do MACRS

Local: MACRS e IEAVi (Galerias Sotero Cosme, Xico Stockinger, Augusto Meyer e Virgílio Calegari, 3º, 6º e 7º andares da CCMQ)

Rua dos Andradas, 736 – Centro Histórico – Porto Alegre/RS

Visitação: de 11 de fevereiro a  4 de abril de 2021, mediante agendamento pelo e-mail ([email protected])

De terça a sexta-feira, das 10h às 18h

Sábados, domingos e feriados, das 12h às 18h

Seguindo os protocolos sanitários vigentes, a exposição conta com ações educativas, oferece visitas guiadas em libras e audiodescrição de todas as obras e garante o acesso a pessoas com deficiência motora.

Realização: Secretaria de Estado da Cultura, por meio do Instituto Estadual de Artes Visuais  Centro de Desenvolvimento da Expressão e MACRS

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