Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série | Televisão

A Coroa

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A Coroa Foto: Netflix/Divulgação

Ela já está lá há 70 anos, Guinness de tempo de alguém sentado no trono sem alguém berrar lá de fora que tem fila e ela não anda. Ela já estava lá quando Getúlio era presidente e os Castro nem tinham ainda assumido Cuba. Ela estava lá quando o Trump foi eleito, e vai estar lá quando ele for chutado da Casa Branca, em janeiro de 2021.

Coroa boa de bola, amigos, é ela, Liz, a Segunda.

The Crown foi para a quarta temporada no Netflix, e a nossa coroa é tão fera que já tiveram que convocar uma segunda atriz para dar conta do recado. A primeira, a lindinha Claire Foy, conduziu os negócios até os charmosos anos 1960. A segunda, amada e idolatrada pelos ingleses, Olivia Colman, está agora precisando lidar com mulheres que colocaram a Inglaterra pra sambar nos anos 1980, Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, e Diana Spencer, a Princesa do Povo.

The Crown, quem diria, é uma história de mulheres, com Churchill e o Charles no meio.

A coroa britânica tem uma longa tradição de mulheres poderosas, que conduziram reinados definidores. Elizabeth, a Primeira, encarou o maior império do mundo e acabou com a Invencível Armada. Vitória reinou quando o Império Britânico não sabia o que era ficar sem a luz do sol. Elizabeth, a Segunda, faz o reinado mais longo que o Ocidente já viu, e segura o atual Reino Unido unido, e por isso não se aposenta.

Canadá e Austrália já informaram que, enquanto ela viver, e por respeito a ela, não vão virar república. Depois, quem sabe. Tadinho do Charles.

O Brasil hoje tem uns tais príncipes herdeiros que se recusam a desaparecer, e ainda falam muita besteira quando falam alguma coisa. Eles são algo exótico, que sobrevivem por alguma lei que dá dinheiro para os herdeiros de Dom Pedro II, por algum motivo que nenhum de nós conhece.
Dizem que o Brasil permaneceu um só país após a Independência graças à figura unificadora de um rei. Não fosse isso, teríamos virado uns quinze países, como nossos vizinhos quando se libertaram da Espanha. Não devemos subestimar o poder simbólico das monarquias, mesmo que a gente não faça mais ideia de como funcionam.

The Crown é uma série real. Real no sentido royal. Ela é impecavelmente criada e brilhantemente executada. O nível de atuação é de fazer chorar. O que é a Gillian Anderson como Margaret Thatcher, ladies and gentlemen? A gente olha e é a Thatcher, ruim igual.

Eu acho que a nova televisão, que não é televisão, explode em capacidade narrativa quando pega uma grande personagem como Elizabeth e a transforma em um verdadeiro Guerra e Paz. The Crown me parece escrita por gente que recebeu Tolstói, nesta vida ou em outra.

E, da mesma forma que gosto muito mais de Tolstói quando ele larga aqueles príncipes todos e olha para os seres normais, me encanta The Crown quando o olhar se desloca para os súditos, e não a Rainha.

O epísódio em que um habitante da Londres triste e pobre invade o palácio é primoroso, e ele apenas vale a série. O resto também.

Long live the Queen, e veja.

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