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A hora e a voz das mulheres

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A hora e a voz das mulheres "Hacks". Foto: HBO Max/Divulgação

Se o que estamos assistindo é real – e é, o tal de patriarcado tem que estar tremendo nas bombachas, caros leitores. Acaba de sair a premiação do Emmy, que consagra o streaming e as séries como o novo meio vencedor, e Netflix, HBO, Apple, como as profetas dos novos tempos anunciados e comprovados. E quem venceu, ladies and gentlemen? The Crown, a história que tem como fundo a mulher que reina há mais tempo sobre o planeta, O Gambito da Rainha, série poderosa sobre uma outra rainha, Hacks e Mare of Easttown, além de destaque para o trabalho de Michaela Coel, de I May Destroy You, a mais intensa voz feminina, talvez, entre tantas.

Se Hollywood sempre foi, e a tevê convencional é, um território ainda patriarcal, o streaming claramente não é. E é por ele que vamos, caros leitores, mais e mais. Eu, que gosto de um mundo cheio de vozes, com todos contando as suas histórias, só posso achar que tudo está mudando, e para melhor.

Pra mim, foi um privilégio poder ver Fleabag. Vocês viram? É assim que uma mulher nos seus 30 vive em Londres hoje? Girls foi uma boa experiência, mesmo que centrada nas brancas privilegiadas de Nova York. The Crown e sua Elizabeth traz uma visão da mulher no poder como poucas vezes vimos. Mesmo séries pra lá de divertidas, como Teenage Bounty Hunters, que inova ao colocar no centro duas adolescentes endoidecidas, ou Sex Education e sua aula sobre vulvas. O novo mundo do streaming é o novo mundo das mulheres, e com ele saímos todos ganhando. Que venha mais e mais, é o que eu espero, e assisto.

E assisti Hacks, não sei se vocês já fizeram o mesmo. A maravilhosa Jean Smart merecia ser a protagonista pra valer, e não a coadjuvante genial de Mare of Easttown.

Hacks é uma série sobre mulheres, e sobre poder. Não o poder que Elizabeth exerce sobre o Reino Unido, mas o poder que mulheres exercem sobre as suas vidas e o seu entorno. Em Hacks, Jean Smart faz o papel de Deborah Vance, comediante de stand up que reina sobre o mundo absolutamente maluco de Las Vegas. Ela reina há muito tempo, tempo demais, segundo o dono do cassino onde ela se apresenta, e quem sabe um pouco de renovação é preciso.

Entra em cena a counterpart de Jean, Ava, mulher jovem, da privilegiada e acomodada geração Z, branca e achando que sofre, sem que Deborah consiga imaginar os motivos. Deborah é de outra era, e outras dores, e as duas forjam sua relação a partir do que não sabem, e não entendem, uma na outra, e em suas respectivas eras.

Ava escreve comédia e está desempregada porque cometeu o crime maior nesta era: ela fez um tuíte insensível sobre a sexualidade de alguém. Pimba, cancelada, e tóxica, nada resta a ela a não ser aceitar o emprego de ressuscitadora de Deborah, e por aí vamos.

Uma outra série brilhante tem como personagem uma outra comediante de stand up. Maravilhosa Sra. Maisel é maravilhosa, provavelmente mais ainda do que Hacks, porque ela mostra os esquetes de stand up de verdade, não os cita ou apresenta apenas de leve. Pra isso, caros leitores, precisa mais foco no que Deborah faz e menos em Deborah, e Hacks é, principalmente, sobre ela.

Como Deborah é fascinante, Hacks fica em pé e se faz muito ver. Deborah é um pouco a mesma personagem de Jerry Lewis no triste e sensacional O Rei da Comédia, de Martin Scorsese – quem não viu, veja. O comediante de sucesso, rico e bem sucedido, cínico e cansado. Quem vive de comédia, caros leitores, vive de rir da vida, e nada mais duro, ou exaustivo, do que isso.

Apenas como anotação, a outra série grande vencedora nos Emmy é a sensacional Ted Lasso, que teoricamente é sobre futebol e um homem, ou seja, duas coisas masculinas. Mas, como estes tempos são diferentes, Ted Lasso não é nada disso. Ela é uma história de um dos homens mais frágeis e delicados já existidos sobre o mundo, e sobre um festival de mulheres maravilhosas, e por isso mesmo deve ser vista.

Quem treme são as bombachas, e é bom que elas tremam. O mundo já teve demais disso e, com todos podem ver, não deu certo. E o que não dá certo, caros leitores, some, assim, pffuii.

Some.

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