Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

A vida antes do fim

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A vida antes do fim Netflix/Divulgação

Bom, não é exatamente de hoje que você, eu, o senhor aqui ao lado nos perguntamos mais ou menos isso: tá, e depois? Vai que eu morra. Acontece com alguns, dizem.

Toda uma vasta indústria existe para responder a essa pergunta, com resultados um tanto desanimadores. Ela não consegue evitar o desenlace de todas as histórias de vida, e também não consegue nos oferecer respostas muito convincentes sobre o que afinal acontece quando alguém, qual o papagaio do esquete antológico do Monty Python (The Dead Parrot, quem não viu, tem no YouTube mais próximo de você), is no more, pfui, já era.

Na série After Life, criada, dirigida e atuada pelo sujeito mais constrangedor que o mundo já conheceu, Ricky Gervais, o tema é este: a vida depois da morte. Não a sua morte, não a minha, mas de alguém que mais ou menos representava a vida para quem ficou. Tony, impersonado por Gervais, ficou. A mulher que ele amava, Lisa, é quem se foi.

After Life tem muitas qualidades e pouco motivo para risos, embora tenha muitos momentos irônicos, engraçados, self-deprecating, como se diz em inglês. Momentos em que a gente tira sarro de nós mesmos e das nossas dores, sabem?

Tony amava Lisa, e somente Lisa. Ele amava e ainda ama Brandy, a pastor alemão deles, razão pela qual ele não realiza o suicídio com que sonha, de tempos em tempos. Tony tenta arranjar uma razão para viver, ou algo que o sustente enquanto não resolve de que morrer, ao mesmo tempo em que inferniza todo mundo que tem o azar de estar a sua volta, nos bucólicos arredores de Londres onde a história se passa.

The Office, a obra-prima anterior de Gervais, era uma sequência de momentos constrangedores produzidos por gente absolutamente desprovida de superego. After Life é menos constrangedor, mas não tanto, porque Tony é aquele cara que deixou de ligar para o que qualquer um sente a respeito dele. Na verdade, ele garante que todos sintam o pior que for possível a respeito dele. Tony é aquele tio que inferniza todas as reuniões de família e de quem a gente simplesmente não pode se livrar, porque não é ele quem desapareceria, mas a família e sua razão de existir.

Como Tony não se importa com nada, mas as pessoas ao seu redor se importam com ele, temos um clima tenso, quase o tempo todo. A gente não sabe o que vai acontecer, mas sabe que os nossos dentes vão ranger o tempo inteiro, e vão.

O que surge no meio disso tudo, como tulipas emergindo em um campo gelado, é a nossa humanidade. Ela é poderosa demais para ser abafada por um Tony e seu sofrimento mal-humorado. Ela é grande demais para não se infiltrar em todos os cotidianos, o que inclui seres como o viciado serial, ou a trabalhadora do sexo, seres frágeis e mágicos, na sua capacidade de trazer Tony de volta do buraco onde tenta se meter. As cenas se sucedem, e a história e seus humanos nos trazem pra ele e, de um jeito ou outro, nos encantam.

O que não dá pra compreender é o título horroroso que alguém resolveu aplicar no Brasil, e ficou assim: After Life – Vocês Vão Ter de me Engolir. Sério? Sério? Apesar disso, After Life emplacou duas temporadas e vai pra terceira, aqui na sua Netflix.

Comprem caixas de antiácido, mas vejam. Vale a pena.

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