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Como derrubar um presidente

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Como derrubar um presidente
Por definição, a História com agá maiúsculo precisa de distanciamento no tempo para ser estudada com algum rigor, serenidade, isenção. A medida justa dessa separação entre evento e análise – anos, décadas, séculos – é incerta e tema de permanente questionamento entre os historiadores. Se o angu da História precisa esfriar antes de ser consumido para não queimar a língua, paradoxalmente os estudiosos, para realizarem seu trabalho, são obrigados na maioria das vezes a recorrer a fontes e relatos produzidos no calor dos acontecimentos em questão – sujeitos, portanto, à efervescência do momento, que não raro distorce, embaralha, fantasia, omite e mesmo contradiz essa quimera chamada de “realidade dos fatos”. Se é prudente olharmos sempre com desconfiança para as narrativas produzidas contemporaneamente aos acontecimentos – sob pena em caso contrário de nossa vista turvar-se pelas paixões que então condicionavam aquele determinado cenário -, também não devemos desprezar a riqueza de informações que se pode extrair de uma obra ou documento contaminado por interesses, convicções, ideologias e subjetividades. Um filme de propaganda nazista pregando a eugenia pode não ter validade científica nenhuma, mas dizer muito sobre as ideias por trás do odioso regime; o relato de um italiano com pendores de escritor sobre suas impressões acerca da serra gaúcha no final do século 19 talvez seja irrelevante do ponto de vista literário, porém valioso para se entender como funcionavam as comunidades de imigrantes ou quais eram as referências estéticas de quem escrevia prosa na época. Fiz essa digressão a respeito do valor da produção cultural que busca dar um significado ao movimento do mundo ao mesmo em que está registrando-o – independentemente da qualidade dessa interpretação – para citar uma estreia nos cinemas brasileiros nesta semana que é imperdível, apesar de seus reparos: o filme O Processo. O documentário de Maria Augusta Ramos acompanha os bastidores do julgamento que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016, registrando a profunda crise política que desembocou no apeamento do poder do primeiro nome da República e o colapso das instituições democráticas que se vive atualmente no país. O longa-metragem estreou mundialmente em fevereiro, no Festival de Berlim, e foi escolhido pelo público como o terceiro melhor documentário da mostra Panorama. Entre os prêmios conquistados no Exterior, O Processo foi escolhido o melhor longa internacional no Festival Documenta Madri, na Espanha, e o melhor longa na competição internacional do Festival Internacional de Documentários Visions du Réel, em Nyon, na Suíça. Para realizar O Processo, a diretora Maria Augusta passou vários meses em Brasília, sua cidade natal, acompanhando o rito do impeachment, somando 450 horas de material filmado. Sem fazer entrevistas ou intervir nos acontecimentos, a realizadora e sua equipe circularam pelos corredores do Congresso Nacional, filmaram coletivas de imprensa, registraram as votações na Câmara dos Deputados e no Senado e testemunharam bastidores nunca mostrados em noticiários. Da mesma forma que na trilogia sobre o sistema judiciário do país formada pelos documentários Justiça (2004), Juízo (2007) e Morro dos Prazeres […]

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