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Estúdio 88: trajetória experimental revisitada

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Estúdio 88: trajetória experimental revisitada

Na segunda metade dos anos 1980, uma oficina com o artista Guto Lacaz no Instituto de Artes (IA) da UFRGS e a aquisição de uma câmera de vídeo pela instituição mobilizaram a criação de um laboratório colaborativo em videoperformance. Somente agora, mais de 30 anos depois, o projeto é documentado em um catálogo.

Publicado por ora em formato digital, o livro Estúdio 88: Documentação de Videoperformances reúne imagens e reflexões sobre a produção do laboratório Estúdio 88, entre 1988 e 1989, envolvendo nomes como Elaine Tedesco, Lucia Koch e Marion Velasco, além de outros artistas visuais, músicos, atores e bailarinos, em performances experimentais mediadas por vídeo.

A ideia inicial do trio de artistas era apresentar o livro entre março e abril de 2020, acompanhado de uma exposição de parte dos trabalhos produzidos à época. Diante da pandemia de Covid-19, no entanto, os planos foram alterados. O catálogo – editado pela Azulejo Arte Impressa e organizado por Tedesco e pela pesquisadora Lu Rabello – foi lançado na última segunda-feira (6/7), em live com a participação de Rabello e Velasco.

A publicação integra o projeto de pesquisa “Videoarte: o audiovisual sem destino”, iniciado em 2013 e coordenado por Tedesco no Departamento de Artes Visuais e no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS. “É uma pesquisa dentro de outra, os arquivos de uma se tornaram objeto de uma nova investigação. Nessa etapa, o foco foi resgatar a memória da primeira pesquisa de videoperformance feita junto a uma universidade no Brasil e com financiamento de agência de fomento”, destaca a artista e professora da instituição.

“Há uma extensão temporal de 32 anos a ser considerada. O caráter da pesquisa era totalmente experimental, coletivo, vibrante. A publicação cataloga apenas uma parte do material – os vídeos que estavam comigo, Koch e Velasco”, completa. Dos anos 1980 para cá, as fitas VHS passaram por processos de digitalização e edição, por vezes, com acréscimos de novos sons.

Da performance ao audiovisual sem destino

O embrião do Estúdio 88 começou a se desenvolver dois anos antes de seu nascimento. Em 1986, o artista Guto Lacaz ministrou um workshop de performance no IA que marcou a trajetória das artistas. “Isso mexeu muito com os estudantes, queríamos sair fazendo performance imediatamente”, relembra Velasco.

No ano seguinte, motivadas pela experiência da oficina, Koch, Tedesco e Velasco realizaram duas performances: Mucosa, Quando as Damas Esperam o Convite para Dançar, na Sala Álvaro Moreyra, e Salão Performance, na Sala Qorpo Santo (Centro Cultural da UFRGS). A escolha de palcos vinculados às artes cênicas foi a forma encontrada pelo trio para apresentar uma linguagem que ainda buscava seu espaço em Porto Alegre.

A partir de 1988, a linguagem audiovisual ganha força nas performances com a aquisição de uma câmera de vídeo pelo IA. “O desejo de experimentar o vídeo, entender o uso do equipamento e, especialmente, testar as possibilidades da performance mediada pela câmera nos levou a planejar o Estúdio 88: Pesquisa de Videoperformance”, conta Tedesco no catálogo. O projeto de pesquisa acabou sendo contemplado por um financiamento da FAPERGS, envolvendo a professora Mara Alvares e mais de uma dezena de jovens artistas.

Corpo, câmera sensorial, ação: o Estúdio 88 em movimento

Marion Velasco destaca a intensidade do convívio entre os participantes das ações do Estúdio 88: “Era um momento de abertura política, de muita alegria e esperança. Estávamos sempre andando pela cidade, ou nos reunindo na cozinha de alguém, tomando chá, pensando em filmes”.

A espontaneidade do dia a dia também fazia parte das performances. “O fato de não ter muito roteiro para nada era bom. As colaborações às vezes eram acordadas, mas normalmente eram involuntárias. Quando você via, estava fazendo alguma coisa com alguém e não sabia muito aonde ia dar – às vezes não dava em nada”, recorda Lucia Koch na publicação.

Elaine Tedesco lembra do fascínio que havia em torno do uso de uma câmera – inicialmente, com a restrição de precisar estar ligada a uma tomada –, que se somava aos experimentos com o corpo. “Era uma câmera sensorial, uma câmera na pele, desfocada do olhar”, destaca. A concepção dos vídeos contava ainda com a colaboração e o apoio técnico de músicos de jazz, como Paulo Campos e Vasco Piva, e da composição eletroacústica, como Eduardo Reck Miranda.

Em artigo publicado em 2015, Tedesco detalha aspectos técnicos da edição dos vídeos no final dos anos 1980. Destaca que era necessário passar as fitas por diferentes gravadores, o que muitas vezes resultava em perdas de definição das imagens e falhas de sincronização nos áudios.

“Essas especificidades do vídeo analógico, sua precariedade, foram adotadas, por alguns artistas, como uma potência de operação com a estrutura da linguagem, porém, para outros, era uma tecnologia a ser ultrapassada. Eu sempre me interessei por esses limites e, ao longo dos anos da década de 1990, criei alguns trabalhos nos quais explorei intensivamente essas perdas geradas pelas passagens de uma fita a outra”, conta Tedesco.

Com as medidas de distanciamento social ainda em vigor, uma eventual exposição do Estúdio 88 segue em modo de espera. Como reflete Tedesco no catálogo, “fazer vídeo é saber que, com o tempo, virá o apagamento e a certeza do desaparecimento”. No entanto, na atual etapa dos mais de 30 anos dos experimentos em videoperformance, as imagens insistem em sobreviver no catálogo recém-publicado e nos canais virtuais das artistas (confira abaixo).

Confira também os vídeos de Doce / Simpatia do Amor (1988-2014), Movimento 5 (1988) e Alguns Passos (1988).

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