Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha

“Fleabag” bota a quarta parede pra trabalhar

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“Fleabag” bota a quarta parede pra trabalhar
Eu estou perdidamente apaixonado pela Phoebe Waller-Bridge – criadora e atriz que incorpora a sua imortal criação, a adorável e pulguenta Fleabag -, e infelizmente não sou o único. Tem um padre no meu caminho, e padres têm vantagens estratégicas com as quais os mortais comuns não sonham. Um confessionário, por exemplo. Ele tem um, e, o que é pior, usa, mais ou menos para o que os confessionários foram criados. Azar o nosso. O meu. E, estimados leitores, quem não se apaixonaria? Ela é uma beldade não convencional, mas é uma beldade, e londrina. Beldades londrinas operam em uma camada quase inatingível. O mundo dela é em libras esterlinas, e quem pode com libras esterlinas, nestes tempos? Pra quem quer apreciar mais aspectos sobre as inatingíveis beldades londrinas, pode ver o primeiro episódio da série Dates, da BBC. Nele, Oona Chaplin faz as vezes de beldade londrina, atormentando um pobre caminhoneiro do norte da Inglaterra que comete o crime inafiançável de ir para um encontro com ela vestindo blazer e jeans. Ela fulmina: “It makes you look like a Belgian”. Viram? É assim lá em Londres. Fujam. Já a nossa Fleabag tem o cenário e o guarda-roupa de londrina ao seu dispor, mas não exatamente o orçamento pessoal da Oona, que é uma Chaplin, nem a sua infinita autoconfiança. Fleabag é a suave expressão pra descrever algo pulguento. Tapado de judiaria. Atacado das mutuca, no google translate bagual, que alguns ainda consultam aí no pago. O que torna Phoebe, na sua versão Fleabag, tão impactante é a capacidade dela de desmontar o mundo feminino de uma forma dura, cruel, com um nível de autocrítica que eu, ao menos, nunca tinha visto. E, ao mesmo tempo, sendo irresistivelmente desejável, ao menos para quem gosta de olhos. Vocês gostam? Eu gosto. Ela nos olha, estimados leitores. Olha pra gente assim, no olho. Eu tremo nessas horas. O padre treme. Aliás, o padre tenta descobrir pra onde ela olha, ou quem ela vê, ou o que afinal acontece ali, no espaço onde nada deveria acontecer em uma filmagem. Na tal da quarta parede, de que o título deste artigo fala. A que não deveria existir, e em Fleabag não apenas existe, mas funciona, e é essencial para a experiência da série. Desde sempre, o cinema tem três paredes, no máximo. Na outra, e essa é a mentirinha essencial da narrativa cinematográfica, está a câmera, o diretor, o diretor de fotografia, o cara do som, a moça da maquiagem, a tia do pastel e mais um milhão de gente que felizmente a gente nunca vê. A verdade de mentira do cinema depende dessa parede inexistente, e a gente aprendeu a não brincar com isso. Quem olha pra câmera olha para nós, que somos a quarta parede, sacam? E isso costuma ter resultados trágicos, como nos mostra o Kevin Spacey, em House of Cards. Foi olhar pra câmera e pronto, o seu passado o condenou. Nunca faça isso em casa, nunca. Pois a nossa […]

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