Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

Futebol é vida

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Futebol é vida Apple TV+/Divulgação

Bill Shankly, treinador do Liverpool, disse há 50 anos que o futebol é muito maior do que a vida ou a morte, algo com que todos podemos concordar, eu imagino, especialmente no Brasil bolsonarizado. Já a frase “football is life” é o bordão do ultra animado jogador uruguaio de mentirinha da série mais bacana que você precisa ver, se ainda não viu, Ted Lasso, da Apple TV+ – super sucesso do momento e indicada a 20 Emmys, todos eles merecidos.

Ted Lasso parte de um argumento mais do que pouco acreditável: a dona de futebol da primeira divisão inglesa resolve sacudir as coisas contratando um técnico com uma visão diferente da convencional: ele não faz ideia do que seja futebol, ou ao menos o que o mundo chama de futebol. Ele é americano do Kansas e treina futebol, só que o deles, aquele da bola elíptica e que simula um matadouro nos seus piores dias.

Ted Lasso não faz ideia do que ele pode estar fazendo no comando do clube inglês, mas isso não o atrapalha muito. Ted Lasso é um ser dotado de tanto otimismo e crença na capacidade humana de superar tudo que vê esse desafio como apenas mais um no qual ela possa fracassar, como está fracassando no seu casamento, por não conseguir manter dentro do matrimônio uma mulher que deseja estar fora dele. Ted Lasso é um otimista incorrigível, mas mais ou menos entende que existe o que não pode ser solucionado, o que não significa em si um fracasso. Falhar, ou ter sucesso, são dois lados da mesmíssima moeda, segundo ele. A diferença é um detalhe, e não especialmente importante: o que importa é como você encara os desafios, os sucessos e os fracassos.

A série tem um registro cômico, mas é uma comédia à la Billy Wilder, ou seja, aquelas comédias que partem do princípio de que somos um desastre e que rir da gente, e do desastre, é uma forma, talvez a única, de perceber a sua beleza. E tem muita beleza em Ted Lasso.

Todos os personagens são incrivelmente interessantes, e isso é diferente. Não temos um ou dois protagonistas e muitas sombras. Temos um time de personagens de diferentes presenças na hierarquia narrativa – mas todos igualmente interessantes, encantadores, irresistíveis. Essa é uma das grandes forças da série. Não é fácil escrever tanta gente interessante, incluindo o garoto que cuida do vestiário do time. Não é fácil criar tanta nuance, tanto detalhe, tanta linguagem. Mas assim são os clubes de futebol europeus, mosaicos de nacionalidades e línguas. O vestiário do clube é uma combinação de tudo, incluindo jovens sonhadores, jogadores já velhos aos 30 e Dani Rojas, o nosso uruguaio que nos lembra o tempo inteiro que football is life.

A primeira temporada arrebentou, e então a Apple TV+ fez a pior coisa possível na segunda temporada, lançando os episódios na insuportável razão de um por semana, todas as sextas. Ao fazer Ted Lasso, a Apple TV+ finalmente acertou a mão e criou algo muito especial. Ao lançar um episódio por semana, ela nos impede de fazer o que mais se quer fazer desde que a internet é gente: binge.

Não dá, então aguentem a passagens das semanas e a chegada das sextas-feiras. É um sufoco, mas, pelo menos aqui, vale a pena. Fica a dica.

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