Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

“Good Girls” são quase más

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“Good Girls” são quase más Netflix/Divulgação

Good Girls está na quarta temporada, três delas na sua Netflix, para ver e ver e ver. Basicamente, as good girls são as amigas Ruby e Beth e a irmã Annie, boas moças de classe média pero no mucho, que, pra superar algumas das piores faltas de dinheiro que a vida produz, resolvem cometer alguns crimes pra completar a renda familiar.

Beth é a famosa Christina Hendricks, a ruiva opulenta de Mad Men, e Ruby é a menos glamorosa, mas não menos opulenta atriz e comediante Retta, que fazia a Donna em Parks and Recreation. Annie, a irmã little trouble girl de Beth, menos conhecida por seus outros trabalhos, é isso mesmo: trouble.

As três se iniciam numa vida de crimes pelas melhores razões possíveis, tais como comprar um rim para a filhinha de Ruby. No paraíso americano, precisando de um transplante, ou você paga cem mil dólares de custos de hospital ou sua filhinha morre. Eu roubaria vários bancos, se necessário fosse e a criança fosse minha. Você, não?

Nossa boas meninas mal se iniciam na vidinha entediante de assaltantes quando são surpreendidas por essas voltas que uma vida de crimes nos traz: o dinheiro no cofre do mercado que assaltam é muito, mas muito mais do que se deveria esperar. Pior, ele não é exatamente do mercado, mas de uma gangue que faz uso do cofre como se lavanderia fosse. Nossas boas moças agora se descobrem em um mau pedaço, péssimo, para dizer a verdade.

Na mitologia americana, onde preto é preto, branco é branco, e nada de misturas, uma vida de crimes sempre, mas sempre mesmo, tem que acabar em punição. As três boas moças, que fazem lá as suas maldades, se acreditam boas. O que fazem é por circunstância, e por necessidade, jamais por algo de errado com as suas almas.

O que pode ser verdade, em parte ao menos. Como em outras histórias semelhantes, e todo mundo faz logo a comparação com Breaking Bad, americanos de classe média nunca sofreram tanto para se segurar nela. Um outro mito americano é o da sociedade sem classes, simplesmente porque a maioria deles ainda tem uma casa, um carro e consegue pagar o dentista. Cada vez mais, na sociedade desigual desenhada a partir de Ronald Reagan, nem mesmo vários empregos seguram as coisas, e a classe média, espremida num sistema em que TUDO precisa ser pago, sem faculdade gratuita e sem SUS, sofre.

A saída para o sofrimento pode ser transformar dinheiro falso em dinheiro de verdade, nestes tempos de realidade alternativa. O que é falso aqui pode muito bem ser de verdade lá, não é mesmo?

A trajetória das moças assume rumos incontroláveis, e assim vamos, no rumo das temporadas de Good Girls.

A série até pode ser comparada com Breaking Bad, mas são animais diferentes. Breaking Bad tem muito mais roteiro, muito mais acontece, muito mais é pensado, produzido e entregue. Breaking Bad é mesmo uma descida ao inferno, com Walter White cada vez mais confortável na sua condição de demônio.

Good Girls não é isso, nem exatamente aquilo. A maioria das cenas são basicamente elas e o rosto delas, bem pertinho da câmera, e mais nada. Ninguém viaja para o México, aviões não desabam sobre cidades, nada explode, a não ser a realidade das moças. Existe um tom farsesco, que permite a elas serem más, sem serem, para alívio do público. Elas não conseguem machucar ninguém de verdade (a não ser os maridos).

Walter White derretia inimigos em tonéis cheios de ácido. Beth faz fornadas e fornadas de cupcakes. Não, elas não são a mesma coisa, e por isso mesmo dá pra ver sem ser necessário ter doses maciças de antiácido pela casa.

Se eu vocês, olhava. É legal, por vezes divertido, e serve pra gente pensar um pouco em como o bem e o mal são questões de detalhe, ou ângulo.
Veja.

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