Artigos | Cinema

A vida de uma chilena incendiária

Change Size Text
A vida de uma chilena incendiária Vitrine Filmes/Divulgação

A história recente do Chile tem sido combustível para o cinema do país, especialmente o produzido por jovens realizadores. A diretora Camila José Donoso mistura fatos, ficção e pano de fundo político em seu terceiro longa, Nona: Se me Molham, Eu os Queimo (2019), que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (18/2). O filme participou no ano passado de festivais como Mar del Plata, na Argentina, e Roterdã, na Holanda.

A protagonista é a avó da diretora, Josefina Ramirez, que fez parte da resistência ao regime de Pinochet e se tornou uma especialista na produção de molotovs. Camila, que também assina o roteiro, combina memórias de Nona e uma narrativa ficcional sobre uma mulher que cometeu um crime passional e se vê obrigada a deixar a capital chilena Santiago, exilando-se na cidade costeira de Pichilemu, em uma casa que comprou na época do governo de Salvador Allende, antes do golpe de 1973. A personagem também acaba de realizar uma cirurgia contra catarata o que a deixa ainda mais fragilizada e de mau humor.

Em seu primeiro longa, Naomi Campbell (2013), Camila acompanhou a trajetória de uma transexual chilena – e o documentário prevaleceu na narrativa sobre uma ficção discreta. Em Nona: Se me Molham, Eu os Queimo, a cineasta embaralha ainda mais os registros, construindo um jogo de cena entre o real, o imaginário e a fantasia, sem se preocupar em deixar claros os limites entre eles.

“Eu queria que o personagem de Nona tivesse profundidade. Eu queria que o espectador descobrisse Nona como eu a conhecia; uma avó, uma dona de casa extrovertida que ocasionalmente mentia, uma mulher volúvel, e tudo aquilo que estava longe da femme fatale piromaníaca que mais tarde descobri. Eu queria que o espectador pudesse viver na intimidade de Nona, sem julgamento: pois a beleza de Nona também reside na complexidade, na ambivalência de seu caráter”, explica Camila.

Ao redor dessa nova morada de Nona existe uma floresta que começa a sofrer incêndios inexplicáveis. Por conta do passado piromaníaco dessa mulher de 66 anos, Nona torna-se suspeita – ainda mais porque sua casa permanece intacta, ao contrário de outras da vizinhança. Além desse suspense, o filme pretende fazer também um retrato crítico do Chile atual, no qual a aparente calmaria – como a cidade onde a protagonista se instala – esconde a turbulência política que o país sempre enfrenta.

O longa inclui filmagens caseiras em vídeo, remetendo ao passado e recuperando a trajetória de Nona, misturando cenas amadoras captadas em diferentes formatos de vídeo, película e o digital límpido das cenas na atualidade. O elenco de Nona: Se me Molham, Eu os Queimo combina não atores e atrizes com profissionais, como as atrizes Gigi Reyes, Paula Dinamarca e Nancy Gómez. O brasileiro Eduardo Moscovis interpreta Pedro, uma figura misteriosa que ronda Nona.

Vitrine Filmes/Divulgação

Coprodução entre Chile, Brasil, França e Coreia do Sul, Nona: Se me Molham, Eu os Queimo aposta no estranhamento de sua história lacunar e na personalidade marcante de sua protagonista. Se o mistério e a singularidade da personagem prendem o espectador no início, com o passar do tempo o filme vai afrouxando esse laço e diluindo seu interesse por conta da ênfase em uma trama excessivamente vaga, que fornece pouca informação sobre Nona, seu presente, seu passado e as reverberações em sua vida do ambiente político e social chileno. A sensação é de frustração por deparar com uma história apenas garatujada, cujo desenho podemos no máximo supor a partir dos poucos traços oferecidos. Em vez de cativar com o enigma, essa opção pela reticência demasiada afasta pela opacidade, mostrando-se um recurso narrativo menos efetivo e rebuscado do que ele se supõe ser.

Nona: Se me Molham, Eu os Queimo: * * *

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Nona: Se me Molham, Eu os Queimo:

RELACIONADAS
PUBLICIDADE

Esqueceu sua senha?