Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

“Normal People”, onde quer que elas existam

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“Normal People”, onde quer que elas existam Foto: BBC/Divulgação

A BBC e a Hulu se juntaram pra produzir uma série irlandesa baseada no best seller Normal People e se deram bem. A série recebeu quatro indicações ao Emmy Prime Time e boas avaliações por toda parte. Uma delas, que deve estar ajudando a série a bombar, é a de que ela teria o melhor sexo entre homens e mulheres que já foi visto. Não sei vocês, mas certamente essa parte das resenhas deve estar ajudando e muito no Ibope de Normal People.

Eu sinceramente não sei dizer se essa série tem as melhores cenas de sexo da história das séries, até mesmo porque sexo não é exatamente algo muito presente em séries, especialmente em sua vertente mais visualmente explícita. Sexo é sugerido e mais ou menos apresentado, em geral com gente razoavelmente vestida fazendo os papéis de amantes. Mas seeexo, seeexo mesmo, não é tão comum, especialmente porque as séries passam na tevê, e não no escurinho adulto do cinema.

Pra ser sincero, não achei lá tão impressionante as cenas de sexo e rock and roll, mesmo que elas tenham um certo realismo no áudio, mais do que no vídeo. Eu acho que todo sexo no cinema e tevê é romântico, e Normal People não chega a mudar isso. Entendam que, pra mim, romântico quer dizer sexo em que todo mundo chega ao orgasmo ao mesmo tempo e pelo mesmo método. Mais do que romântico, inexistente no mundo real, mas quem disse que aquilo ali era o mundo real?

Pessoas normais são muito diferentes dos personagens de Normal People, pelo menos aqui em casa. Pessoas normais sempre sabem o que dizer e na hora certa? Pessoas normais criam belos relacionamentos apenas para acabar com eles por algum mal entendido no episódio seguinte? Pessoas normais são charmosas, inteligentes, educadas e vivem na bela Dublin? Pessoas normais são ultragentis, até mesmo com quem as inferniza? Sei lá. Eu vivo no Brasil, terra de gente anormal e que vota em outro, portanto, posso andar meio sem referência, mas aquilo ali é normal deluxe, no mínimo.

Nisso, eu creio que a série não entrega o que promete. Gente normal não é assim. Charming, sophisticated, verbally competent people é assim, e é o que se vê na série. Gente normal é beeeem diferente, e gosta mesmo é de galeto com polenta no final de semana.

Enfim. Vejam e achem.

A história é de amor, mais ou menos. Marianne e Connell se amam, mesmo que de um jeito um tanto confuso. Eles sempre conseguem achar um jeito de tornar o indizível em impossível. Amor é a palavra que não se deve usar em vão, porque tende a ser em vão. Você ama, o outro não ama. Você não sabe o que sente, o outro sabe. Você e ela sabem o que sentem, mas um morreu no episódio anterior. Amor é, tecnicamente, uma impossibilidade que simplesmente ignoramos.

Marianne e Connell tentam ignorar, mas são confrontados o tempo inteiro por si mesmos. Eles se amam pra valer, e não de mentirinha. Mas, e isso talvez eu até concorde, amor é apenas uma parte do problema.

Talvez nisso Normal People me convença. Eles sabem que o amor é importante, mas não resolve muita coisa e não paga as contas. Eles não centralizam suas vidas no amor, apenas o reconhecem e tentam lidar com a sua presença. Mas, e nisso eu me surpreendo com Normal People, o amor é sempre apresentado como um problema a ser solucionado, e não como algo que nos resgata da mesmice da vida.

Será que isso é normal? Será que, na série, eles entendem o que a gente não consegue? Eles são absolutos, sentem, ou não sentem, vão, ou ficam. Se existe uma coisa que me parece exagerada em Normal People é a sua crença de que tudo se pode resolver e superar, desde que as pessoas queiram. Nada se resolve, caros leitores, nada. Querer a gente quer, funcionar não funciona. Querer não é poder. Querer é querer.

Marianne e Connell até querem, embora não saibam muito bem o que querem. Se algo aparece, eles embarcam, mas ainda sem saber por quê. Eles são jovens, e isso faz diferença. Mas, como toda série um dia termina, eles precisam fazer algumas escolhas que irão definir as suas vidas. Eles até fazem, embora a gente, olhando, até preferisse que as escolhas deles fossem outra. Não são, e aí eu lembro que estamos falando de uma série, em que há roteiro, e não escolhas. Aqui fora há escolhas, mesmo que a gente nem sempre goste muito de ter que fazê-las.

Vejam e me contem o que acharam.

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