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O olhar dos outros

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O olhar dos outros
Minha participação na 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – realizada entre os dias 18 e 31 de outubro – foi além da função de ávido espectador, como costuma ser todo ano. Desta vez, tive a honra e a responsabilidade de presidir o júri da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), responsável por conceder a premiação da entidade a um dos filmes exibidos pelo festival. Uma tarefa difícil, mas que serviu para me colocar em dia com o melhor da novíssima produção cinematográfica nacional. A despeito da heterogeneidade dos 17 títulos avaliados pelos cinco jurados do Prêmio Abraccine, algumas tendências e linhas de força puderam ser percebidas entre esses filmes de realizadores brasileiros estreantes – recorte estipulado para o julgamento do nosso grupo de críticos responsável pela escolha do melhor trabalho. Um dos vetores que caracterizou esse apanhado de longas debutantes foi o olhar para o outro, para o diferente, para o que escapa à norma e, muitas vezes, é relegado à margem da sociedade e das narrativas dominantes. Não se trata, por certo, de novidade: já não vem de agora essa vertente cinematográfica que dá voz e imagem a grupos socialmente apequenados ou apartados – há uma crescente e vigorosa produção audiovisual internacional e, como não poderia ser diferente, também brasileira voltada para temáticas alternativas e confrontantes ao status quo. No entanto, mesmo carecendo de ineditismo, essa disposição para abordar a diversidade no cinema – um escopo genérico e abrangente, que engloba de questões de identidade de gênero a discriminações raciais e sociais – está na essência de alguns dos melhores filmes exibidos na edição de 2018 da Mostra de São Paulo como um todo, e não apenas do universo de produções brasileiras analisado pelo júri da Abraccine. O foco em “histórias de alteridade” deu a tônica em vários dos 17 longas concorrentes ao Prêmio Abraccine, tanto documentários quanto ficções. Curiosamente, dois dos títulos mais interessantes dessa seleção debruçam-se sobre temáticas similares e podem ser colocados lado a lado como uma espécie de díptico: Meio Irmão, de Eliane Coster, e Sócrates, de Alex Moratto. Ambos os “filmes irmãos” são dramas sobre adolescentes de periferias de cidades grandes paulistas – o primeiro ambientado na capital, o outro em Santos – que enfrentam a ausência dos pais, o preconceito racial, a carência material, o tumulto interno e exterior de uma sexualidade ainda em afirmação. Em Meio Irmão, a mãe de Sandra – interpretada com impressionante vigor pela jovem atriz Natália Molina – está sumida há dias, deixando a menina sozinha em casa, já que o pai não mora com elas e mantém-se distanciado. Desorientada e sem dinheiro, a garota pede ajuda a Jorge, seu meio irmão, que é filho de sua mãe com outro homem. Entretanto, o rapaz negro – Sandra é branca – enfrenta igualmente uma situação difícil: após gravar no celular uma agressão homofóbica, passa a sofrer ameaças para não divulgar as imagens. O protagonista de Sócrates é também um jovem negro homossexual, que subitamente descobre-se […]

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