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Sentado no ombro de um gigante

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Sentado no ombro de um gigante
O jazz é uma terra de gigantes – mas só alguns deles têm sua estatura reconhecida unanimemente pelos habitantes e visitantes que circulam nesse mundo de sons. Ainda que em vida tenha sido muitas vezes questionado por conta de suas decisões e declarações artísticas, hoje Miles Davis (1926 – 1991) é desses colossos de indiscutível grandeza, idolatrado por melômanos de todas os estilos. O documentário Miles Davis, Inventor do Cool (2019), disponível pela Netflix, lança um olhar biográfico e analítico sobre a trajetória do inquieto trompetista norte-americano que, do final dos anos 1940 até sua morte, experimentou e ampliou incessantemente os limites estéticos do jazz – enfrentando muitas vezes a incompreensão e até indignação de seus pares e admiradores mais puristas ao misturar o cultuado gênero a expressões musicais então menos veneráveis, como o funk e o rock. O filme do diretor, roteirista e produtor Stanley Nelson – realizador de documentários sobre temas relativos à comunidade afro-americana como Passageiros da Liberdade (2010) e Os Panteras Negras: Vanguarda da Revolução (2015) – costura depoimentos de músicos, historiadores e críticos com textos em primeira pessoa de Miles, muitos retirados da autobiografia do músico, lançada também em português no Brasil. Além da fala de especialistas, a produção reúne entrevistas com alguns dos mais respeitados músicos do planeta, como Jimmy Cobb, Lee Konitz, Herbie Hancock, Wayne Shorter, Ron Carter, Carlos Santana, Joshua Redman, Marcus Miller, Mike Stern e Achie Shepp. O ator Carl Lumbly empresta sua voz roufenha para dizer as memórias e considerações escritas com inteligência, argúcia e ironia por Miles Davis – homem de pouca conversa, o gênio revelava em seus textos uma visão lúcida e desprovida de romantismo a respeito do mundo e de si próprio. Miles Davis, Inventor do Cool se inicia com o personagem apresentando sua obsessão: “A música sempre foi uma maldição para mim. Sempre me senti atraído por tocar. Está em primeiro lugar na minha vida”, informa a narração sobre imagens do instrumentista treinando sozinho em um ringue de boxe. Logo em seguida, o inquieto Miles surge com o olhar perdido no céu do lado de fora da janela de um avião, sentado em uma poltrona: “Viver é uma aventura e um desafio. Não tinha a ver com ficar parado e ter segurança. Mas sempre fui assim, fui assim a vida toda. Para continuar criando, tem que se comprometer com a mudança”. Miles Davis, Inventor do Cool retraça cronologicamente a partir daí a carreira do revolucionário músico, pontuando os momentos de êxtase criativo e crise existencial do protagonista, suas influências e rupturas, os problemas com drogas e álcool, as mulheres que passaram por sua vida, com uma impressionante riqueza de fotos e filmes de arquivo – e, claro, muito jazz. Ao final da viagem pelo fervilhante universo criativo de Miles Davis – que, além de músico de intuição excepcional e contador de histórias inspirado, também pintava quadros com singular sensibilidade -, o espectador sente-se elevado pela experiência de ficar sentado no ombro de um titã e compartilhar, […]

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