Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha

Twin Freaks

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Twin Freaks
Foi há trinta anos, ladies and gentlemen. Eu lembro de olhar pra aquilo em uma tevê que talvez tivesse 26 polegadas da mais perfeita baixa definição e dizer, em bom português, WTF? Cuma? Quequeéissominhagente? Algo assim. Nem eu, nem você, nem o senhor aqui ao lado jamais tinha visto alguma coisa mais ou menos parecida com Twin Peaks, precisamente porque nunca alguma coisa parecida com Twin Peaks tinha sido sequer pensada, muito menos feita. A tevê americana era, ora vejam, americana. As coisas da tevê aberta americana são feitas para serem consumidas por um consumidor, não por um sujeito muito a fim de muita inovação conceitual. Na verdade, esse sujeito é a fim de zero inovação conceitual. E, agora, isso? Eu morei nos Estados Unidos por um bom tempo, e, depois que minha família americana reclamou que eu não participava da vida familiar, passei a participar da vida familiar, o que significava, basicamente, aprender a comer tv dinner na frente da tevê, nós, cachorros e muita sitcom e seriados de detetive, todos com 30 minutos, atuações impecáveis, muito roteiro e zero inovação. O que interessava, na tevê aberta americana, era vender xampu pra gente, ração pro cachorro, e todos seguíamos bem felizes, até aparecer Twin Peaks e o samba virar o do crioulo doido. O paradoxo da indústria americana é que ela vive de convenção, mas sabe que precisa se renovar de tempos em tempos. Como eles não são loucos – são, exceto quando o assunto é dinheiro -, colocam o poder nos estúdios, jamais nos diretores, que de vez em quando são mesmo loucos. Os estúdios, quando precisam sacudir a si mesmos, antes que um aventureiro qualquer o faça, sabem muito bem onde está a sacudida. Pegam um diretor e um projeto que jamais sairia da gaveta, botam um caminhão de dinheiro em cima e mandam ver. Foi assim com Chaplin, Billy Wilder, Spielberg, Francis Ford Coppola, Scorsese, e sempre é. Quando a coisa começa a ficar entediante, chamem um gênio, e antes que ele saia do controle, tornem ele rico. Funciona, há mais de um século. Twin Peaks era o resultado de uma mente essencialmente brilhante, e um tanto doida. David Lynch opera em uma frequência de onda onde nós, seres com contas a pagar, sequer ousamos chegar perto. Um cara desses era tudo que a tevê americana precisava naquele exato momento, em que ela começava a entediar uma geração sem culpa alguma com o que eles tinham feito no Vietnã. Era hora de mudar o disco, e eles mudaram. Twin Peaks era tão esteticamente avançada, tão narrativamente incomum, tão assustadoramente parecida com os cantos mais tortuosos das nossas mentes, que a reação foi de paralisia, espanto e encantamento, misturados com alguma náusea, de tempos em tempos. O special agent Dale Cooper representava o inconsciente investigando a si mesmo, enquanto investigava um assassinato brutal e inexplicável. Laura Palmer era a beldade perfeita, até ser investigada. Quem matou Laura Palmer era um detalhe, porque praticamente todo mundo tinha a […]

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