
“Uma história sobre um fracasso relacionado à arquitetura.” É assim que a atriz, diretora e roteirista francesa Valérie Donzelli define seu filme Notre Dame (2019), que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (11/2). A comédia participou da seleção do Festival Varilux de Cinema Francês de 2020 e foi exibida no Locarno International Film Festival de 2019.
A história acompanha a arquiteta Maud Crayon (Donzelli), arquiteta e mãe de um casal de adolescentes, que conquista – graças a um mal-entendido absurdo – um grande concurso promovido pela prefeitura de Paris para reformar o pátio diante da Catedral de Notre-Dame. Curiosamente, a obra citada no filme não tem nada a ver com o lamentável incêndio que destruiu o teto e a torre central do templo de 850 anos, já que Notre-Dame foi rodado antes do fatídico 15 de abril de 2019.
LIVRO | Notre-Dame: A Alma da França | Agnès Poirier
A protagonista é uma versão mais adulta e madura de Adèle de La Reine des Pommes (2009) – comédia musica igualmente escrita, dirigida e estrelada por Donzelli. Maud é uma parisiense contemporânea, que tenta se sustentar trabalhando no escritório de arquitetura cujo chefe é um cretino e explorador. Incapaz de se impor tanto profissionalmente quanto em sua vida pessoal, a personagem ainda tem que aguentar o folgado ex-companheiro e pai de seus filhos Martial (Thomas Scimeca), que vive pedindo guarida na casa – e na cama – de Maud sempre que briga com a atual namorada. Enredada nesse relacionamento do qual não consegue se desvencilhar, Maud é literalmente atropelada pelos acasos: além de involuntariamente vencer o concorrido concurso de reforma da Notre-Dame, a atrapalhada heroína ainda descobre em uma consulta com a irmã obstetra (Virginie Ledoyen, estrela de filmes como Uma Garota Solitária e 8 Mulheres) que está grávida de Martial, ao mesmo tempo em que reencontra um amor de juventude (Pierre Deladonchamps, de Um Estranho no Lago).

“Maud carrega dentro de si essa força motriz, esse impulso neurótico que a impede de parar. Maud Crayon sou eu até certo ponto, mas também todas as mulheres em ambientes urbanos, que trabalham e assumem tudo”, explica a realizadora. Valérie Donzelli também afirma que seu filme é uma declaração de amor à capital francesa: “Paris tem passado por um período muito difícil desde os ataques de 2015, e agora é como se estivéssemos em um estado permanente de caos. Até parece diferente. A cada cinco minutos, podemos ouvir o som áspero das sirenes da polícia soando. Então, sim, eu queria trazer sua beleza de volta ao primeiro plano, mas sem minimizar sua violência e pobreza, incluindo todas as pessoas que têm que viver e dormir nas ruas”.
A despeito da argumentação da autora, há pouco de crítica social e mesmo de exaltação paisagística da Cidade Luz: o foco narrativo é mesmo Maud e sua caótica rotina, narrada em tom quase farsesco. Como em outros filmes dirigidos por Donzelli – como A Guerra Está Declarada (2011) e Main dans la Main (2012), além do já citado La Reine des Pommes –, há romance e música em Notre-Dame, mas a comédia meio amalucada é que dita o ritmo.
Ao esboçar um retrato ao mesmo tempo irônico, crítico e sentimental da mulher urbana francesa, Valérie Donzelli poderia ecoar o cinema da também atriz, diretora e roteirista Agnès Jaoui. Mas a aproximação não avança muito além: com uma trama excessivamente desmiolada e um roteiro recheado de piadas tolas, falta a Notre Dame a graça e, especialmente, o humor inteligente das comédias dramáticas de Jaoui como Amores Parisienses (1997) e O Gosto dos Outros (2000). O que fica de positivo de Notre Dame é uma visão leve e sem julgamentos dos arranjos familiares e amorosos heterodoxos e um par de cenas musicais cuja referência parecem ser os coloridos filmes do cineasta Jacques Demy. É pouco riso e emoção para muita catedral.

Notre Dame: * *
COTAÇÕES
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