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“A Ilha de Bergman” conjura os fantasmas do desejo

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“A Ilha de Bergman” conjura os fantasmas do desejo Pandora Filmes/Divulgação

Escrito e dirigido pela francesa Mia Hansen-Løve, A Ilha de Bergman (2021) é uma declaração de amor ao cinema, em especial à obra do mestre Ingmar Bergman (1918 – 2007), diretor sueco de filmes antológicos como Morangos Silvestres (1957) e Cenas de um Casamento Sueco (1974). Estrelado por Tim Roth e Vicky Krieps, o filme chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (24/02).

O longa fez sua estreia no Festival de Cannes e foi rodado na ilha sueca de Fårö, no Mar Báltico, onde Bergman se estabeleceu até sua morte – e que serviu de cenário para alguns de seus longas mais conhecidos, como Persona (1966) e A Hora do Lobo (1968) e Vergonha (1968). “Existem duas Fårö: aquela dos filmes de Bergman e aquela que você descobre quando chega lá. Se a Fårö que a gente descobre fosse exatamente igual àquela dos filmes dele, eu provavelmente não encontraria um espaço para mim mesma. Fårö sempre terá a presença dele. E como existem essas duas variações, se tornou muito empolgante para mim”, explicou a cineasta Hansen-Løve em entrevista.

Em A Ilha de Bergman, um casal de cineastas viaja à ilha, onde Tony (Tim Roth) participará de alguns eventos, enquanto Chris (Vicky Krieps, de Trama Fantasma e Tempo) tenta superar uma crise criativa e escrever um novo roteiro. À medida em que o tempo passa, realidade e ficção se confundem em meio aos belas e austeras paisagens nórdicas. Visitando locações das filmagens de Bergman, a diretora inquieta começa a imaginar a história de um filme sobre uma jovem (Mia Wasikowska) que chega a Fårö para uma cerimônia de casamento e acaba vivendo um reencontro complicado com uma antiga paixão (Anders Danielsen Lie), com quem acaba se envolvendo novamente.

Pandora Filmes/Divulgação

A realizadora conta que, por causa da agenda do elenco, teve de filmar antes a segunda parte do longa, que corresponde ao filme dentro do filme – circunstância, segundo ela, acabou sendo estranha, mas também proveitosa: “As imagens e a parte do longa já editada me ajudaram a pensar como seria a metade anterior. Como houve um intervalo longo entre as duas filmagens, acabei tendo mais tempo para maturar como queria fazer. Porém, a estrutura das cenas continuou a mesma”.

Filmando em inglês, língua que não é a sua materna, Hansen-Løve conta que deu mais liberdade aos atores e atrizes para trabalhar as falas: “Nunca confiei tanto no elenco como nesse filme, e eles me ajudaram muito com os diálogos. Tanto Vicky quanto Tim se apropriaram das falas, mudaram coisas para soarem mais naturais, como um americano diria. Como não falo inglês tão bem quanto eles, tinha que confiar neles em se tratando da língua, e eu adorei isso: dar liberdade”.

Pandora Filmes/Divulgação

Roteirista e diretora de dramas sensíveis como O Pai dos Meus Filhos (2009), Adeus, Primeiro Amor (2011) e O que Está por Vir (2016), Mia Hansen-Løve propõe em A Ilha de Bergman uma obra com diversas camadas narrativas, encapsuladas no cenário insular de Fårö: há o casal de realizadores cujo casamento está em um seguro, porém morno platô sentimental, assombrado por desejos e sentimentos conflitantes; no filme que Chris está escrevendo, a impulsiva Amy debate-se com a convulsão de emoções que a presença do ex-namorado Joseph lhe desperta; por fim, a obra e a vida amorosa e familiar de Ingmar Bergman são colocadas em perspectiva pelo confronto da relação do cineasta com esposas, amantes, filhos e moradores da ilha que escolheu viver até a morte.

Merecem destaque as atuações de Vicky Krieps e, em especial, de Mia Wasikowska, que imprime um tocante frescor juvenil aos tormentos amorosos sofridos pela personagem por conta de seu coração impetuoso. Focando o olhar no perfil dessas duas mulheres, o longa ecoa um dos interesses centrais de Ingmar Bergman, cuja extensa filmografia foi em boa parte dedicada a perscrutar os segredos e intimidades do universo feminino.

Pandora Filmes/Divulgação

A despeito de colocar um dos maiores nomes da história do cinema na berlinda ao lembrar episódios de sua controversa dimensão pessoal, A Ilha de Bergman não se furta de cultuar a figura e o legado do criador de obras-primas como O Sétimo Selo (1957) e Gritos e Sussurros (1972), mostrando trechos de seus filmes e ambientando cenas em locais de Fårö como o centro cultural que leva seu nome, a casa do diretor e até um curioso “safári” por lugares ligados a sua trajetória – para o deleite fetichista dos admiradores do “cineasta da alma”.

Hansen-Løve amarra essa ode bergmaniana com uma aparição: perto do desfecho do filme, depois de uma conversa coloquial sobre vida após a morte e fantasmas, a câmera mostra um senhor maduro caminhando, cujos créditos finais revelam ser o produtor Ingmar Bergman Jr. – um dos nove filhos do realizador. Só mais uma discreta piscadela de olho para o espectador cinéfilo.

Pandora Filmes/Divulgação

A Ilha de Bergman: * * * *   

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de A Ilha de Bergman:

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