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Há algo de podre no reino do teatro

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Há algo de podre no reino do teatro Paranoid Filmes/Divulgação

Com estreia prevista nos cinemas nesta quinta-feira (1º/7), Anna (2019), novo filme dirigido por Heitor Dhalia, coloca o abuso de poder, o assédio emocional e a obsessão pela perfeição em cena ao acompanhar uma montagem de Hamlet. No palco e nos bastidores, duas figuras defrontam-se com suas ambições, fantasmas e inseguranças, tendo como pano de fundo a célebre tragédia de Shakespeare: o polêmico e respeitado diretor Arthur (Boy Olmi), que deseja remontar a peça 10 anos depois de uma tentativa malograda, e a jovem atriz Anna (Bela Leindecker), que sonha encarnar a personagem Ofélia.

Em meio a ensaios e lições sobre a natureza do teatro e da representação, encenador experiente e intérprete novata aproximam-se ​e repelem-se com a mesma intensidade por conta de uma semelhante obstinação pelo trabalho e uma mútua atração. A relação que se estabelece, no entanto, é assimétrica e tóxica: o vaidoso e egocêntrico Arthur envolve a tímida e inexperiente Anna com sua presença ao mesmo tempo sedutora e autoritária, impondo-se à garota com o mesmo tom leonino com que costuma humilhar os atores de seu elenco. O vínculo artístico e sentimental entre os personagens torna-se ainda mais intenso e turbulento com a chegada do ator escolhido para interpretar o príncipe da Dinamarca, que chama a atenção de Anna e desperta o ciúme vingativo de Arthur.

Paranoid Filmes/Divulgação

O roteiro de Heitor Dhalia e Nara Chaib Mendes, que também atua no filme, costura com inteligência os episódios e as personalidades fora do palco com o enredo e os personagens shakespearianos – não apenas de Hamlet, mas também de outros textos do bardo inglês. O cenário onde se desenrola quase toda a história é o palco, a plateia e os camarins do teatro do Sesc Pompeia, em São Paulo, cuja arquitetura austera e elegante tem a assinatura de Lina Bo Bardi.

Realizador cujo apuro estético é determinante em filmes como Nina (2004), O Cheiro do Ralo (2006) e À Deriva (2009), Dhalia não descuida desse aspecto em Anna. Em seu sétimo longa, porém, o cineasta pernambucano equilibra com mais sensibilidade a força das imagens e a do drama apresentado.

Muito desse acerto está na atuação e interação da dupla central: a tensão sexual e o jogo de dominação entre Arthur e Anna explodem em sequências como aquela em que ambos estão sozinhos no palco improvisando movimentos, gestos e até uma língua inexistente, cercando-se um ao outro como feras no cio. Bela Leindecker, cantora gaúcha estreante no cinema, e, em especial, o ator e diretor argentino Boy Olmi conseguem imprimir a seus papéis intensidade e densidade, explorando a complexidade desse enfrentamento entre mestre e discípula, velho e novo, carrasco e vítima, Hamlet e Ofélia.

Paranoid Filmes/Divulgação

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Anna: * * * * 

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Anna:

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