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Alain Resnais lembra a longa noite do nazismo

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Alain Resnais lembra a longa noite do nazismo Petra Belas Artes à la Carte/Divulgação

Um dos mais importantes e perturbadores documentários da história do cinema entrou recentemente no catálogo da plataforma de streaming Petra Belas Artes à la Carte: Noite e Neblina (1956), de Alain Resnais (1911 – 2005). Realizado em 1955 sob encomenda do Comitê da História da Segunda Guerra Mundial, o filme apresenta em 33 minutos um chocante registro dos locais em que até pouco tempo antes funcionavam os campos de concentração nazistas. As imagens são acompanhadas pelo texto duro e comovente escrito por Jean Cayrol (1911 – 2005), poeta francês sobrevivente do Holocausto, na voz do ator Michel Bouquet.

Uma das representações mais vívidas dos horrores dos campos de concentração alemães, o curta foi rodado em 1955 em vários campos de concentração na Polônia, combinando novas imagens coloridas com cinejornais de época, imagens filmadas pelos aliados vitoriosos e fotos que registraram as atrocidades nazistas. O resultado é um retrato visceral e lúcido não apenas do horror dos campos, mas da brutalidade humana.

Um dos primeiros documentários a abordar o Holocausto abertamente, Noite e Neblina seria originalmente realizado pelo documentarista Nicole Védrès. Tanto Alain Resnais quanto Jean Cayrol estavam relutantes em encarar o projeto: o cineasta não se sentia à vontade para abordar um tema sobre o qual não testemunhara pessoalmente, enquanto ao escritor, ao contrário, não desejava reviver lembranças demasiadamente duras de sua passagem no campo de Gusen. Foi o grande documentarista Chris Marker (1921 – 2012), assistente de direção de Noite e Neblina, quem conseguiu convencer Resnais e Cayrol a trabalharem juntos no filme.

Em entrevista concedida em 1992, Alain Resnais disse que Noite e Neblina deveria servir de alegoria para a intervenção francesa na Argélia, ocorrida na época do lançamento do filme. Assim, faz sentido que o mestre de obras-primas como Hiroshima, Meu Amor (1959) e O Ano Passado em Marienbad (1961) use a palavra “deportado” em vez de “judeu” no curta, tentando fazer uma declaração antigenocídio mais abrangente. Esse seria também o motivo da opção no filme pela cifra de 9 milhões de mortos pela máquina de extermínio nazista, incluindo assim não apenas os 6 milhões de judeus.

Petra Belas Artes à la Carte/Divulgação

O título se refere a uma estratégia instigada por Heinrich Himmler em dezembro de 1941 que ajudou a propagar o medo do Terceiro Reich. Qualquer um que fosse pego resistindo aos ocupantes nazistas seria preso e imediatamente levado para os campos de modo que desaparecesse sem deixar vestígios, “na noite e no nevoeiro”.

Além da montagem assinada por Resnais – que remete muito a filmes de Marker cujo ritmo casa com perfeição fotos e narração, como no clássico A Pista (1962) – e da bela fotografia assinada por Ghislain Cloquet e Sacha Vierny, merece destaque em Noite e Neblina a singular trilha sonora. A música moderna do compositor alemão Hanns Eisler, discípulo dos vanguardistas Schönberg e Webern, orquestrada pelo francês Georges Delerue, transita entre o condizente tom dramático e um desconcertante melodismo suave e mesmo leve, que contrasta com as imagens quase sempre abomináveis. O resultado desse contraste musical evoca uma percepção ambivalente: se para o espectador deparar com visão da crueldade ilimitada é intolerável, para os nazistas e colaboracionistas que faziam funcionar essas fábricas de morte a maldade inaudita era tão somente uma rotina da guerra.

François Truffaut considerava Noite e Neblina o maior filme de todos os tempos. Um réquiem cujo sofrimento e alerta não devem jamais ser esquecidos – especialmente hoje, quando assistimos assustados à difusão mundo afora de discursos e práticas supremacistas, fascistas e negacionistas.

Noite e Neblina: * * * * *  

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Noite e Neblina:

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