Artigos | Marcelo Carneiro da Cunha | Série

God save the queen

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God save the queen Netflix/Divulgação

Rainha Charlotte: Uma História Bridgerton, que acaba de estrear na Netflix, é uma prequel do mega sucesso Bridgerton, com a virtude de vir antes, e ser melhor. Bem melhor.

Uma das razões para esse melhor pode ser o fato de Rainha Charlotte não pertencer ao universo dos livros Bridgerton, criados por Julia Quinn. Livre pra voar, a roterista mais poderosa de Hollywood, Shonda Rhimes, bom, voou, e aqui vemos o resultado.

Bridgerton bombou em sua combinação de romance histórico, vagamente ancorado no período da Regência inglesa, com belos rapazes e moças, todo mundo se desnudando de tempos em tempos, ao som das fofocas da misteriosa sabe-tudo Lady Whistledown. Funcionou, mas dentro dos limites mais ou menos impostos pelos livros da série.

Em Rainha Charlotte, Shonda Rhimes solta a mão e navega com maestria pelos temas propostos, mas não aprofundados em Bridgerton. O maior deles, talvez o maior de todos, tenha a ver com o amor, em sua forma muitíssimo menos livre de ser, também conhecida como casamento. Sabem?

O casamento se tornou, em nossos tempos edulcorados, aquele breve período na vida de homens e mulheres de todos os gêneros em que eles convivem, e serve como prequel pra série que se segue, também conhecida como separação. Ou divórcio, para os mais formais.

Rainha Charlotte fala sobre o casamento pra valer, aquele que era, e era, pra valer. Ou pelo menos até a morte de todos os envolvidos, o que o tornava especialmente pra valer.

O casamento, nos tempos das monarquias, e envolvendo monarcas, além de pra valer, valia muito. Valia muito mais do que a gente imagina, em um mundo onde reis e rainhas eram o governo, e eram praticamente o Estado.

Quando D. João VI se mandou pro Brasil na calada da noite, Portugal acordou sem quem pagasse as contas. Hoje, não sei se conseguimos sequer imaginar uma vida assim. Mas era.

E monarcas eram o governo, e tinham poder absoluto, ou quase. E, em casamentos arrumados entre pessoas das mesmas poucas famílias, as questões genéticas podiam ser complicadas, e uma das consequências podia ser um índice um tanto elevado de doenças mentais.

Vamos agora imaginar um país inteiro governado por alguém dotado de poderes absolutos, ou que se acredita dotado de tais poderes, e sofrendo algum tipo de doença mental numa época anterior à psicanálise e à psiquiatria e a todo o universo de tratamentos ou medicamentos que possam fazer algum tipo de efeito positivo.

Pois é disso que Rainha Charlotte trata. De uma moça que casa pra vida inteira com um rapaz que, além de ser o rei da Inglaterra, infelizmente sobre de problemas mentais que acompanham a sua vida, e a dela, e a dos ingleses, por muitos e muitos anos.

Nisso, a romcom que se insinua no inicio de Rainha Charlotte, com ela e George tendo o meet cute mais cute da história conhecida, dá lugar a uma narrativa cheia de nuances, e personagens forçados a lidar com as suas circunstâncias tão privilegiadas quanto trágicas. Charlotte casa, e ama, e pra sempre, um homem que, de tempos em tempos, adoece.

Rainha Charlotte vai além e nos mostra, mais ou menos, um dos aspectos mais surpreendentes em Bridgerton: um mundo onde todos fazem parte. Na série, vemos a mãe de George, ao perceber que a noiva tem a pele muito mais escura do que ela imaginava, usar o poder absoluto de mãe do rei para decidir que a partir de agora todo mundo vai ser nobre – brancos, negros, amarelos, vermelhos, o que quer que seja.

Esse deslocamento de eixo torna a série muito interessante, e o mundo por consequência também. Ele deixa claro como é estúpido um mundo monocromático, e como ele durou e ainda dura tempo demais.

Rainha Charlotte é muito bem escrito, bem criado e atuado. E está ali, na minha, na sua, na nossa Netflix. É só ver.

Vejam.

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